Felicidade no trabalho: um dever ético das organizações

1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «Ser Feliz no Trabalho»?
R-Na verdade foram duas ideias que fizeram nascer o Ser Feliz no Trabalho.  A primeira, é uma ideia de conteúdo e decorre da minha constatação enquanto profissional de gestão de pessoas de que há uma certa resignação de líderes, gestores e colaboradores quanto ao facto de o trabalho não ter que contribuir para a felicidade das pessoas. Demasiadas pessoas aceitam, por exemplo, que não haja ambiente positivo, liderança responsável, trabalho interessante ou remunerações dignas no trabalho. Desde que haja emprego e remuneração certa, muitos consideram cumpridos os deveres da entidade empregadora. O livro Ser Feliz no Trabalho vem sinalizar o dever ético das organizações quanto à valorização do bem-estar das suas equipas e colaboradores. Por um lado, porque o desenvolvimento sustentável exige que a experiência de trabalho seja fonte de bem-estar para quem trabalha, mas por outro lado porque há diversas evidências científicas de que o bem-estar no trabalho gera, por exemplo, mais motivação, compromisso e envolvimento, aumenta o desempenho, facilita a mudança organizacional, reduz o burnout, o absentismo e o stresse, promove a entreajuda e reforça a retenção dos colaboradores. O bem-estar no trabalho valoriza as pessoas e também os resultados organizacionais. É ganhar-ganhar!
A segunda ideia está associada à divulgação da informação. A literatura científica tende a ser escrita de forma pouco apelativa e divulgada exclusivamente dentro do meio académico. As organizações e os seus líderes tendem a não ler informação com sustentação científica, e por isso muito das práticas erradas ou ineficazes tendem a permanecer tempo demais nas organizações, sacrificando resultados pessoais e organizacionais. O livro Ser Feliz no Trabalho foi escrito para proporcionar uma leitura agradável e útil para líderes e colaboradores. Por isso concilia mais de mil referências bibliográficas com histórias reais vindas do contexto organizacional, numa escrita fluída e apelativa, que pode ser boa companhia, por exemplo, na preparação de atividades de gestão de recursos humanos e em momentos de descanso antes de dormir ou durante as férias de verão.

2-Em tempos difíceis e incertos como os que temos vivido desde, pelo menos, o início da pandemia ainda é possível ser feliz no trabalho?
R-São efetivamente tempos incertos os que temos vivido. Todavia, ainda não sabemos se as alterações que ocorreram no trabalho são meramente conjunturais ou se traduzem um novo padrão para gestão das pessoas mesmo no período pós-pandemia. Vejamos, por exemplo, o aumento do teletrabalho, que pode realmente contribuir para a uma melhor conciliação trabalho-família de muitas pessoas. No entanto, como forma regular de trabalho pode perfeitamente desligar as pessoas do trabalho enquanto experiência social partilhada, rica em interações com pessoas que se conhecem com profundidade, de quem se gosta e a quem estamos dispostos a ajudar. Numa sociedade em que muitas pessoas vivem em ambiente urbano, em família monoparentais, em que não conhecem o vizinho do lado, retirar a experiência social do trabalho pode condenar muitas pessoas ao isolamento e penalizar fortemente a sua saúde metal. Por outro lado, também fico preocupado com o impacto do aumento do clima de incerteza nas já débeis realidades organizacionais quanto à precariedade do emprego e aos baixos salários. Receio que a precariedade aumente e a degradação salarial se reforce. Se assim for, não há bem-estar no trabalho que sobreviva, mesmo que coloquem escorregas, pufs e matraquilhos nos locais de trabalho. A felicidade no trabalho é bem mais do que a alegria no trabalho, e inclui também o reconhecimento e a realização que as pessoas esperam obter como contrapartida do esforço e competência que entregam no exercício das suas funções.

3-Um conceito interessante que apresenta: o «triângulo do bem estar». Como pode funcionar e ter bons resultados nas organizações portuguesas
R-O livro Ser Feliz no Trabalho concede muita atenção à dimensão social do bem-estar, muitas vezes negligenciada pela gestão, mas com forte impacto positivo nos resultados individuais e organizacionais. O triângulo do bem-estar social alerta para a importância de as organizações promoverem uma experiência de trabalho que seja, simultaneamente, participativa, apoiada e ética. A felicidade no trabalho exige oportunidades de relacionamento, incluindo nomeadamente reuniões de trabalho, encontros de convívio e pausas para café. Exige também apoio social, incluindo nomeadamente um clima positivo e empático no trabalho, no qual o colaborador beneficie de apoio instrumental ou emocional da liderança e dos colegas de trabalho. O terceiro vértice do triângulo está reservado para a ética. O livro Ser Feliz no Trabalho identifica os 5 valores sociais mais importantes para a felicidade no trabalho. São eles, o respeito, a confiança, equidade e não-discriminação, ajuda e gratidão e liderança responsável.
As organizações portuguesas, em primeiro lugar, devem tomar conhecimento da importância e vantagens associadas ao bem-estar no trabalho. Depois, devem apostar na formação das suas cadeias hierárquicas, garantindo que a boa liderança não se preocupa somente com os processos e os resultados, mas também se preocupa com o bem-estar das pessoas, com as suas expectativas que podem ser concretizadas através do trabalho. Nada se muda de um dia para o outro, naturalmente. Mais importante do que a velocidade é a direção, sendo fundamental que as organizações sinalizem uma melhoria consistente da suas práticas em direção da melhoria do bem-estar das pessoas. Um provérbio chinês diz que a felicidade é alguém para amar, algo para fazer e algo para esperar. Parece-me um guião simples para as organizações portuguesas promoverem a felicidade no trabalho. Se tornarem o trabalho cada vez mais relacional com momentos de partilha entre os colaboradores, se oferecerem trabalho interessante com autonomia, novidade e desafio, e se abandonarem a precariedade em favor de relações de trabalho duradouras, as pessoas ficarão mais felizes no trabalho e, em reciprocidade, irão trabalhar mais e melhor. Este efeito está mais do que demonstrado, o que torna incompreensível, e por vezes insuportável, a insistência em discursos e práticas que não tratam condignamente as pessoas no trabalho. Muitas coisas têm melhorado há que o reconhecer, mas muitas mais deverão acontecer. Julgo que o livro Ser Feliz no Trabalho pode ser um contributo útil, na direção certa. Em favor das pessoas, que será o mesmo que dizer, em favor das organizações e da sociedade de que todos fazemos parte e que a todos compete cuidar!
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Reinaldo Sousa Santos
Ser Feliz no Trabalho
Editora RH  28€

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