Evangelhos: Mão amiga emprestou-me este livro

CRÓNICA
| agostinho sousa

Mão amiga emprestou-me este livro que, dadas as minhas relutâncias em relação à crenças divinas e por razões de prioridades de leitura, certamente não compraria.
Belo empréstimo, desde já, pois trata-se de um conjunto de textos «apócrifos», enigmáticos ou como o tradutor menciona na introdução do livro: “no sentido original do adjetivo «apócrifo» […] «escondido», «secreto».
E os Evangelhos escolhidos têm, cada um à sua maneira, «segredos» que a ortodoxia canónica não incluiu, ou não quis incluir ao longo do tempo, no texto do Novo Testamento.
As traduções são acompanhadas pelo respetivo comentário, onde Frederico Lourenço enquadra a(s possíveis) proveniência(s) e data(s) em que foram escritos, e uma análise crítica que ajuda muito à sua compreensão. Tem ainda a particularidade de apresentar o texto original em grego ou latim, consoante a proveniência, para quem saiba tais línguas ou queira comparar (talvez mais no latim, por causa da grafia) frases ou termos.
Enigmático nos seus diversos Evangelhos, é um livro de mistérios:
Começa pelos mistérios da fé, destacando: a anunciação e as características da conceção e nascimento do Salvador, decidido por uma entidade divina; a importância da virgindade e pureza da sua mãe, com pormenores sobre as primeiras desconfianças dessa gravidez e a posterior aceitação de José, velho viúvo e com dois filhos, que casou com esta virgem adolescente por imposição do além.
Mas os mistérios prosseguem entrando em domínios da vida deste filho do Espírito Santo que foi criança, menino-prodígio, tão capaz de milagres benignos como de vinganças ou retaliações, dignas de qualquer menino-comum, quando ressentido com outras pessoas. Nestes Evangelhos sobressai o lado humano desta figura central que seria o suporte de uma religião.
Pelo meio leem-se mistérios, mais ou menos conhecidos de episódios bíblicos, que retratam os milagres e as posições de Cristo até e após a sua crucificação. Também existem os Evangelhos que, clara e tendenciosamente, incriminam os judeus na influência que tiveram junto de Pilatos e que o levariam a permitir (e a desresponsabilizar-se d)a crucificação de Jesus. No Evangelho «Descida de Cristo aos Infernos» há uma carta, muito curiosa, de Pilatos ao seu Imperador Romano, onde aquele desabafa que foi enganado pelos judeus quanto às razões para a dita condenação. Por fim surgem os mistérios, mais polémicos, relacionados com «o filho de Deus» enquanto homem e das suas (possíveis) relações amorosas com Maria Madalena; bem como a sua aparência. Sobre esta temática, refere Frederico Lourenço, que não há qualquer referência nos textos Bíblicos sobre como seria fisicamente Jesus, à exceção do «Evangelho de Filipe» que não o apresenta com sendo um homem alto, encorpado, de longos cabelos e olhos azuis, segundo os cânones criados no Renascimento e que prevaleceram até à atualidade.
Uma segunda leitura traria mais achas para avivar a fogueira dos mistérios.
Bendita mão amiga pela surpresa deste livro que, seguramente, não teria sido lido.
Espinho, 13/02/2023
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Evangelhos Apócrifos
(Tradução: Frederico Lourenço)
Quetzal

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