Eric Ambler: O mistério não está só nos crimes e assassinatos

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Este livro foi sugerido pelo Arturo Pérez Reverte, como poderiam ter sido Graham Green ou John le Carré a fazê-lo. Para muitos, Ambler foi o precursor dos romances de espionagem, tal como Poe o foi para o romance negro ou policial. É um escritor com total domínio da técnica, um ritmo temperado e uma subtileza não desprovida de sentido de humor. Uns livros levam a outros, por vezes até confundimos as histórias, já está tudo escrito, dir-se-ía, mas estamos sempre prontos para uma visão diferente do mundo.
Neste caso um homem comum, escritor de policiais, interessa-se por um cadáver, Dimitrius, e tenta refazer os passos do mesmo nos anos anteriores à sua violenta morte, apenas para entrar numa espiral de mistério e violência de onde não conseguirá sair. Toda a gente tem uma boa história e toda a gente pensa que pode ser escritor “estava sempre a encontrar pessoas que achavam que conseguiriam escrever policiais se tivessem tempo.” Por vezes somos levados pelas circunstâncias, e deixamo-nos ir, parece até que estamos com tudo sob controlo, que vemos tudo do alto como um semi-deus ou um espectador (não mudem para espetador por favor) no seu camarote privado, mas vai-se a ver e alguém encosta o cano de uma pistola à nossa têmpora e tudo volta a ser realidade incontrolável. “Deixara-se intimidar por uma pistola cujo portador não se teria atrevido a disparar (mas era obviamente mais fácil pensar assim na ausência da pistola e do portador).
Além da história bem contada, temos pérolas espalhadas “Ela ia acender um cigarro. Mas então parou, com o fósforo aceso entre os dedos. Tinha os olhos postos na ponta do cigarro. Durante vários segundos, o único movimento que Latimer lhe viu no rosto foi os cantos da boca a descerem lentamente. Pareceu-lhe que, de repente, o ruído diminuíra, era como de tivesse algodão nos ouvidos.”
O mistério não está só nos crimes e assassinatos, mas também e sobretudo nas relações humanas “Pensamos que queremos ser compreendidos quando na realidade só queremos ser meio compreendidos. Quando alguém nos compreende verdadeiramente, temos medo dessa pessoa.” E devemos sempre estar atentos às confissões ocultas em frases enigmáticas “Porque quando os homens se tornam sentimentais e me contam os seus sonhos eu desprezo-os”.
Um livro de suspense e espionagem, ou seja, a vida passada a limpo, todos temos a nossa história, todos temos “aquela nitidez que encontra sentido naquilo que não tem sentido.”
Ou se calhar tem.
__________
Eric Ambler
A Máscara de Dimitrios
Minotauro  18,60€

COMPRAR O LIVRO