Encontro de amigos
Para os leitores, um livro de Luis Sepúlveda é, sempre, um encontro de amigos. Ou, se preferirmos, um reencontro: com um estilo de escrita límpida e eloquente, sem medo das palavras; com determinado tipo de temas; com um discurso ideologicamente assumido, sem subterfúgios ou falsos moralismos tão em voga nestes tempos de neoliberalismo galopante.
Mas “Últimas Notícias do Sul” é (muito) mais do que isso. É o encontro do leitor com uma certa Patagónia mítica, de gentes e paisagens que, como o autor chileno confessa, já não existe, devorada que foi pela gula da política e da economia.
Sepúlveda partiu em busca da Patagónia que tão bem conhecia acompanhado por um amigo, o fotógrafo argentino Daniel Mordzinski, como dois viajantes que partilham uma terra comum. O livro é o relato dessa viagem.
Quiseram fazê-lo com inteira liberdade, sem financiamentos nem compromissos de publicação para jornais ou revistas, prazos de entrega ou ângulos de abordagem. Com inteira liberdade, portanto.
A ideia nasceu em 1996 e rumaram a Sul, sem itinerário pré-definido mas com a intenção de começarem em San Carlos de Bariloche e descerem até ao cabo Horn pelo território argentino e regressarem pela Patagónia chilena até à ilha de Chiloé. Ao fim de um mês tinham percorrido umas centenas de quilómetros e não os 3.500 de percurso imaginado, mas comido, bebido e conversado com muita gente que os acolheu como a amigos de há muito.
Como o jovem Tano, que encontraram numa estrada de cascalho à procura de um violino… ou melhor, da madeira ideal para fazer um violino; ou donã Juana, a filha sobrevivente de Martin Sheffiels (por quem, atrás da sua história, percorreram quilómetros), que os recebeu em sua casa e lhes deu ovos e pão acabadinho de sair do forno para a viagem; ou os mecânicos do Patagónia Express, a quem foi “roubado” o velho comboio para alugar a um quarteto de gringos endinheirados, deixando as populações sem transporte enquanto duraram as férias dos norte-americanos.
É desta gente resistente, que apesar da vida tão difícil e dura recusa deixar-se vencer ou derrotar, que nos falam Sepúlveda e Mordzinski, em palavras e imagens. Com carinho e, sobretudo, um enorme respeito.
A viagem terminou e os dois regressaram à Europa. Durante meses contaram a sua aventura à família e aos amigos. Mordzinski entregou a Sepúlveda uma pasta com fotografias e a pouco e pouco a ideia do livro foi deixando de ser tema de conversa, a viagem guardada no canto das memórias felizes. Sepúlveda foi escrevendo os seus livros e publicando. De quando em vez, confessa na introdução, voltava aos escritos da Patagónia, elegidos refúgio a que retornava sempre que se sentia bem. Até que sentiu pronta a redação. E o livro aí está, para nosso júbilo.
Mas o livro traz, realmente, as últimas notícias do Sul, de um Sul que já não existe. Porque “o tempo, as mudanças violentas da economia e a voracidade dos triunfadores transformaram-no num livro de notícias póstumas, no romance de uma região desaparecida. Nada do que vimos existe agora tal como o conhecemos. De certo modo fomos os afortunados que presenciaram o fim de uma época no Sul do Mundo. Desse Sul que é a minha força e a minha memória. Desse Sul a que me aferro com todo o amor e com toda a raiva.” Sepúlveda dixit.
________________________
Luis Sepúlveda e Daniel Mordzinski
Últimas Notícias do Sul
Porto Editora, 14,40€
Mas “Últimas Notícias do Sul” é (muito) mais do que isso. É o encontro do leitor com uma certa Patagónia mítica, de gentes e paisagens que, como o autor chileno confessa, já não existe, devorada que foi pela gula da política e da economia.
Sepúlveda partiu em busca da Patagónia que tão bem conhecia acompanhado por um amigo, o fotógrafo argentino Daniel Mordzinski, como dois viajantes que partilham uma terra comum. O livro é o relato dessa viagem.
Quiseram fazê-lo com inteira liberdade, sem financiamentos nem compromissos de publicação para jornais ou revistas, prazos de entrega ou ângulos de abordagem. Com inteira liberdade, portanto.
A ideia nasceu em 1996 e rumaram a Sul, sem itinerário pré-definido mas com a intenção de começarem em San Carlos de Bariloche e descerem até ao cabo Horn pelo território argentino e regressarem pela Patagónia chilena até à ilha de Chiloé. Ao fim de um mês tinham percorrido umas centenas de quilómetros e não os 3.500 de percurso imaginado, mas comido, bebido e conversado com muita gente que os acolheu como a amigos de há muito.
Como o jovem Tano, que encontraram numa estrada de cascalho à procura de um violino… ou melhor, da madeira ideal para fazer um violino; ou donã Juana, a filha sobrevivente de Martin Sheffiels (por quem, atrás da sua história, percorreram quilómetros), que os recebeu em sua casa e lhes deu ovos e pão acabadinho de sair do forno para a viagem; ou os mecânicos do Patagónia Express, a quem foi “roubado” o velho comboio para alugar a um quarteto de gringos endinheirados, deixando as populações sem transporte enquanto duraram as férias dos norte-americanos.
É desta gente resistente, que apesar da vida tão difícil e dura recusa deixar-se vencer ou derrotar, que nos falam Sepúlveda e Mordzinski, em palavras e imagens. Com carinho e, sobretudo, um enorme respeito.
A viagem terminou e os dois regressaram à Europa. Durante meses contaram a sua aventura à família e aos amigos. Mordzinski entregou a Sepúlveda uma pasta com fotografias e a pouco e pouco a ideia do livro foi deixando de ser tema de conversa, a viagem guardada no canto das memórias felizes. Sepúlveda foi escrevendo os seus livros e publicando. De quando em vez, confessa na introdução, voltava aos escritos da Patagónia, elegidos refúgio a que retornava sempre que se sentia bem. Até que sentiu pronta a redação. E o livro aí está, para nosso júbilo.
Mas o livro traz, realmente, as últimas notícias do Sul, de um Sul que já não existe. Porque “o tempo, as mudanças violentas da economia e a voracidade dos triunfadores transformaram-no num livro de notícias póstumas, no romance de uma região desaparecida. Nada do que vimos existe agora tal como o conhecemos. De certo modo fomos os afortunados que presenciaram o fim de uma época no Sul do Mundo. Desse Sul que é a minha força e a minha memória. Desse Sul a que me aferro com todo o amor e com toda a raiva.” Sepúlveda dixit.
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Luis Sepúlveda e Daniel Mordzinski
Últimas Notícias do Sul
Porto Editora, 14,40€