Elena Ferrante: A mão é lenta quando o cérebro pensa e dita
CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha
Desengane-se quem pegar neste livro pensando nos romances da autora. Trata-se de um conjunto de textos para serem lidos em voz alta nas Umberto Eco Lectures na Universidade de Bolonha. E foi isso que aconteceu pela voz de uma actriz contratada para o efeito. Não se lê como os romances, é, aliás, um pouco denso e por vezes enigmático. É uma Elena erudita desvendando segredos sem os revelar totalmente.
A mensagem a reter é que a mão é lenta e perde tempo quando o cérebro pensa e dita, sendo esse o problema maior da criação, problema que só o treino e a insistência conseguem mitigar. Um lapso de tempo que pode também querer dizer a impossibilidade de tradução literária dos pensamentos velozes e fugazes como um sonho. “A escrita levava demasiado tempo a fixar a onda do cérebro.”
Como escrever no feminino num mundo onde os homens julgavam (alguns ainda julgam) mandar? As vozes, como os sexos, serão necessariamente diferentes? Ou escreveu-se tanto em masculino que se torna difícil encontrar um caminho? Ou não será nada disto e “quem escreve não tem nome.” Quem escreve é “vinte pessoas” como disse Lytton Strachey e a narrativa não é “menos móvel do que o mundo.”
Quem dita o que se escreve? Cogito ergo sum ou sum ergo cogito? Sabe-se apenas que “dentro – dentro de nós – há apenas os mecanismos frágeis do nosso organismo”, o que é que isso quer dizer? Não podemos almejar a perfeição? “Há que ter em conta de que quem narra é sempre um espelho deformado”, então ainda há esperança.
Elena aproveita para contar as origens de Lila e Lena e no fim escreve um pequeno ensaio sobre Dante com a importância de Beatriz na sua obra “ele vê se é possível fazer poesia até com a negação da poesia.”
E o que pensa a autora daquilo que faz ou do que lê? “ A escrita bela torna-se bela quando perde a sua harmonia e adquire a força desesperada do feio. E as personagens? Sinto que são falsas quando são de uma coerência límpida, e apaixono-me por elas quando dizem uma coisa e fazem o contrário.”
Também me vem acontecendo.
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Elena Ferrante
As Margens e a Escrita
Relógio d’Água 16,50€