Eduardo Galeano | Futebol-Sol e Sombra

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Futebol-Sol e Sombra»?
R- Uma tentativa de mostrar que o futebol é um espelho do mundo e que, falando da bola, redonda como o mundo, aparacem as maravilhas e as misérias do tempo que nos tocou viver. E é também uma tentativa de colocar este tema ao mesmo nível dos outros que ocuparam a minha obra, apesar dos reparos tradicionais de muitos intelectuais: para os de direita, o futebol é a prova de que o povo pensa com os pés e para os de esquerda, o futebol tem a culpa de que o povo não pense.

2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?

R- Pagar uma dívida. Eu nasci gritando golo como todos os bébés uruguaios. Mas cresci e não fui mais do que um «patadura», uma vergonha para o meu país. Escrevi este livro para fazer com a mão o que nunca consegui fazer com os pés.Bem, nunca não: quero dizer, na vigília, durante o dia, fui sempre um desajeitado. No sonho, à noite, pelo contrário, fui o autor de jogadas magistrais e golos inolvidáveis.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?

R- Como sou supersticioso, prefiro não falar do livro que estou a escrever. Falar dele dar-me-ía azar. Só posso dizer que já levo alguns anos a trabalhar num projecto secreto, muito ambicioso, que me dá muito trabalho mas também me dá muito prazer. E sinto a perigosa tentação de nunca o terminar como se fosse uma perfeita noite de amor.
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EDUARDO GALEANO POR MANUEL JORGE MARMELO
Futebol: Sol e Sombra”, de Eduardo Galeano, é sobre a arte do pontapé na bola, mas não só. Em alguns momentos, e pela escrita, o escritor uruguaio confere ao futebol uma dimensão cultural, artística, humana.O futebol transforma-se num elemento da evolução dos povos, um sinal da marcha dos tempos. Eu não sei, sequer, se o futebol sobre o qual Galeano escreve existe ou existiu de facto.Talvez não. Pode ser que nunca tenha havido ingleses loucos jogando futebol num canto do manicómio de Buenos Aires e que Friedenreich não passe de uma personagem de ficção. Nesse caso, “Futebol: Sol e Sombra” seria apenas literatura. E depois? Só temos a ganhar com isso.