Eduardo Cintra Torres | Televisão do Século XXI

1-Durante anos, dissemos que a televisão era a caixa que tinha mudado o mundo. E hoje?
R-Foi a caixa que mudou o mundo, em quase tudo para melhor. Mas a Revolução Digital pôs em causa essa primazia. A diversificação de meios e de fontes é positiva.


2-Do seu ponto de vista, o que é a televisão do século XXI?
R-É um dos mais importantes media, o mais importante em muitas partes do mundo, embora menos nos países mais desenvolvidos. Tem uma linguagem própria e conteúdos próprios, que se libertaram dos constrangimentos técnicos (o televisor) e em parte dominam nos outros media. Muito do que se vê na Internet (que não é um media, é um meio técnico de produção e disseminação) foi pensado e produzido como conteúdos em linguagem televisiva e de acordo com os padrões anteriores dos conteúdos televisivos. Por isso costumo dizer que as pessoas que dizem que não vêem televisão, sim, vêem televisão por outros meios. Não vêem no televisor. E não só conteúdos feitos como televisão, também conteúdos de televisão mostrados em parte ou no todo noutros meios de informação e comunicação disponíveis na Internet. A luz intensa das novidades tende a obscurecer as permanências. No caso, verifica-se que a importância da televisão ainda é transversal. Diminuiu a importância das instâncias institucionais da televisão, as empresas e canais. Por exemplo, a RTP perdeu nove décimos da sua audiência em 25 anos; os beneficiários, TVI e SIC, estão a perdê-la agora, não só para o cabo, que também é TV, mas para outros e diversificados meios.

3-De certa forma, poderemos dizer que somos nós (os nossos novos hábitos e novos comportamentos) que estamos a mudar a televisão e a criar , como refere no livro, “as televisões”?
R-Sim. Os espectadores e consumidores, sendo-lhes dada a diversificação, tomam opções que alteram o panorama audiovisual. Dentro de pouco tempo (um, dois, três anos?), o poder político será confrontado com o que fazer com a RTP, por exemplo. Se o tivesse feito há doze anos ou há sete anos, como eu e outros propusemos, teria o problema resolvido. Mas o afã de controlar e de impor modelos à RTP (que esta tem apreciado) levaram à sua menorização por escolha dos espectadores.Nos operadores generalistas sabem qual é o seu destino: a irrelevância ou quase. Mas, dado que a actividade ainda é lucrativa, vão-na continuando, da mesma forma que os comboios a vapor continuaram enquanto não se alargasse a rede ferroviária eléctrica. Vão tendo de adaptar os conteúdos ao público disponível, e isso significa quase sempre afastar ainda mais os que se iam afastando dela. Procuram alargar o seu alcance através do cabo e da Internet, o que é um paliativo no que toca ao carácter dos conteúdos. A “televisão”, enquanto sinónimo de TV generalista, foi substituída, ainda sem a matar, pelas “televisões”, incluindo os conteúdos, alguns excelentes, feitos fora do enquadramento das generalistas e mesmo das de cabo. Não é que eu deseje a morte da generalista ou até das televisões, como não se deseja a morte de um parente. É apenas aceitar a realidade. O comboio a vapor é uma curiosa e nostálgica maravilha, mas só às vezes.
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Eduardo Cintra Torres
Televisão do Século XXI
Universidade Católica Portuguesa. 5€