Duarte Scott: “Um livro sobre a relação entre quem escreve e quem lê”
[Foto: Vasco Passanha]
P-«Exposição» é o seu primeiro livro: de que forma espera poder olhar para ele daqui a 20 anos?
R-Há teses filosóficas sobre a identidade pessoal que contrariam o pressuposto da pergunta. Em vinte anos reconstrói-se várias vezes a nave de Teseu. Espero — será o normal — que o que for escrevendo ao longo dos anos vá refletindo essas metamorfoses, que podem ou não ser graduais. Mas não sei adivinhar se depois, olhando para trás, haverá um fio de coerência que ligue este livro a outros que possa vir a publicar, como pontos de um percurso simples e ordeiro. Espero que não.
P-Qual a ideia que esteve na origem desta obra?
R-Gosto das relações humanas. Como experiências, mas como tema também. Dos muitos tipos de amor. Do sexo. Das relações familiares. Das relações políticas. Dos seus inícios e dos seus fins. Interessam-me as regras que se espera que sigamos, e interessa-me a vontade de incumpri-las. Quase todos os poemas de Exposição dizem respeito a relações entre pessoas. Partem muitas vezes de experiências pessoais — há vários em que o facto de eu ser um homem gay se manifesta claramente — mas o interesse que possam ter não é autobiográfico. E Exposição é também um livro sobre a relação entre quem escreve e quem lê: à distância, mas não menos pessoal.
P-Que outros poetas considera serem as principais influências influências da sua poesia?
R-O conceito de influência tem muitas interpretações. Mas pergunta-me por nomes de poetas, e influências dessas devem ser combatidas e não cultivadas. Ou então não vale a pena escrever, ou que leiam o que escrevamos. A menos que sejam influências inconscientes: mas dessas, por definição, não sabemos falar. A construção de mapas de influências literárias – com as suas escolas, correntes, e movimentos – onde depois se inscrevem nomes grandes e pequenos tem muito que se lhe diga. Fora da academia, porém, não é certo que enriqueça a leitura de poesia.
P-Como leitor de poesia, que livros encontramos na sua estante?
R-Não quero estar sempre a desconversar, mas a pergunta é demasiadamente pessoal. E se lhe disser só o que estou a ler agora? Ingeborg Bachmann e Jaime Gil de Biedma. Mas os ensaios, não os poemas. São da mesma prateleira.
P-Escreve (p. 72): «O ato da escrita/é uma confissão de medo.» Medo de quê, de quem?
R-Um poema não é um depoimento ajuramentado. Os dois versos que refere são o início de poema (“Trespasse”) que aparece já perto do fim do livro. Isso influi no seu sentido: faz diferença ter lido primeiro os poemas anteriores. Tentei que a ordem dos poemas no livro tivesse relevância temática também. Depois, o sentido da frase é elucidado pelo resto do poema. É sobre a escrita e o medo que sentimos ao expormos aspetos de nós que normalmente resguardaríamos. Mas dizer de um poema que é “sobre” isto ou aquilo é empobrecedor e pouco informativo. A escrita é ela própria um gesto de exposição, e confessar esse medo é começar a ultrapassá-lo.
P-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Há poemas em que estou a trabalhar que são bastante diferentes dos que incluí neste livro. Mas isso é presente. Não sei dizer ainda que futuro quererei que possam ter.
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Duarte Scott
Exposição
Tinta-da-China 13,90€