Pedro Quelhas Brito: Distribuição-Gestão de Pontos de Venda e de Retalho
1- Qual a ideia que esteve na origem deste vosso livro «Distribuição-Gestão de Pontos de Venda e de Retalho»?
R-A ideia inicial para a elaboração deste livro passou pela constatação de que fazia falta. Fazia falta aos gestores, colaboradores e estudantes dos setores do Retalho, Distribuição e Gestão Comercial. Só em Portugal, há cerca de 220 mil empresas e 770 mil pessoas que trabalham diretamente no setor do comércio por grosso e a retalho, segundo dados da Pordata. E nas dez maiores empresas empregadoras estão três empresas de retalho: Pingo Doce, Modelo Continente (Grupo SONAE), e Jumbo/Auchan Portugal. Para além disso, aumentou consideravelmente o número de lojas nos últimos anos, estando já previstas muitas aberturas para os próximos anos. Para além destes números “diretos”, temos outros setores relacionados com o comércio de forma indireta, tais como as indústrias agro-alimentares e de bens de grande consumo, e as atividades de transporte e armazenagem, entre outras, que também necessitam de acompanhar os últimos desenvolvimentos do retalho, para se manterem atualizadas.
2 – A distribuição é uma das áreas que mais se alterou nos últimos 20 anos: que balanço se pode fazer, hoje, desse processo?
Desde 1990, o número de empresas do setor do comércio por grosso e a retalho passou de cerca de 560 mil para 770 mil colaboradores, e de 173 mil para 220 mil empresas. Isso representa um aumento superior a 35% em colaboradores, e superior a 25% no número de empresas. Associados a estes números, temos uma história com diversos marcos e inovações no retalho em Portugal nos últimos anos, das quais destacamos:
a) Chegada dos discounts ao mercado português (por exemplo com as primeiras lojas da insígnia Dia em 1993, e Lidl em 1995), que vieram reformular o panorama competitivo do setor; b) Reforço da importância dos atributos de proximidade e conveniência, na escolha do consumidor sobre o local onde efetuam as suas compras (que gera oportunidades para os formatos de menor dimensão e maior proximidade); c) Desenvolvimento de programas de fidelização, recorrendo cartões e aplicações digitais (por exemplo o Cartão Continente tem hoje mais de 3 milhões e 500 mil utilizadores, e a aplicação tem mais de 600 mil utilizadores, segundo informação transmitida pela empresa); d) Maior peso das vendas com Promoções – associadas a folhetos constantes (com periodicidade geralmente semanal), e sistemas de fidelização dos clientes. Destacam-se ainda diversos marcos como as campanhas de 50% do Continente (desde 2003), ou as ações do dia 1 de maio geralmente efetuadas pelo Pingo Doce, que se iniciaram em 2012; e) Maior preocupação com o detalhe nas operações e logística, em busca de eficiência acrescida; f) Centralização logística (entregas dos fornecedores ocorrem em centros de distribuição do retalhista e não nas lojas, na maior parte dos casos); g) Ações de responsabilidade social e de cidadania empresarial das cadeias retalhistas; h) Ofertas direcionadas para turistas e residentes estrangeiros (por exemplo com lojas de souvenirs, e de produtos locais e regionais, bem como produtos e marcas originárias do local de onde os turistas nos visitam); i) Preocupações crescentes com a complexificação do sortido de produtos, devido à multiplicação de produtos e marcas existentes que concorrem pelo seu espaço no linear, pois geram complexidade e custos acrescidos para a operação dos retalhistas; j) Reformulação dos conceitos de loja da maior parte das grandes cadeias retalhistas, para melhorar a experiência de compra dos clientes e a eficiência operacional, bem como para maximizar a produtividade das áreas de venda; k) Crescente importância do e-commerce, retalho omnicanal e fenómenos como o webrooming e showrooming; l) Fecho de lojas e de algumas cadeias menos eficientes (veja-se por exemplo as dificuldades que o grupo Dia / Minipreço enfrenta atualmente); m) Consumidor cada vez mais preocupado com a sua saúde e com questões ecológicas e de sustentabilidade (o que tem levado à reformulação da oferta dos retalhistas, com produtos biológicos, “light”, com menos açúcar, sal e gorduras; e ecológicos); m) Tecnologias diversas que alteram o interface com os clientes, a experiência de compra e os processos dos retalhistas (Apps, Scan and Go, Self checkouts, prateleiras inteligentes, softwares para análise de filas de espera, novos métodos de pagamento, a “big data” facilmente operacionalizável; entre outras); n) Passagem duma comunicação e promoções de vendas massificadas para todos os consumidores, para uma comunicação e promoções de vendas cada vez mais personalizadas, em função dos hábitos, preferências e localização dos consumidores.
Em resumo, podemos dizer que hoje em dia os consumidores estão mais informados, conscientes e exigentes com os retalhistas (devido a terem um maior acesso a informação dos vários retalhistas, partilharem informação, e a estarem ligados 24 horas por dia); há um reforço da importância da experiência de compra (que obriga a que as lojas físicas se reformulem para continuarem relevantes e “combaterem” o fenómeno do e-commerce); há uma concorrência crescente (inerente às diversas cadeias internacionais que se instalaram em Portugal); há uma aceleração da digitalização do retalho (com diversas inovações tecnológicas e de processos); e imperativos crescentes de produtividade para garantir que o retalhista continua a ser eficiente (com maior pressão concorrencial, os retalhistas têm vindo a reduzir as suas margens de rentabilidade, o que obriga a que se tornem mais eficientes nas suas operações).
3 – Na pesquisa que realizaram, que novas tendências puderam identificar que vão marcar a distribuição em Portugal?
A distribuição está, e vai continuar a mudar muito nos próximos anos em Portugal e no mundo. Destacamos as inovações em termos de produtos, marketing, canais de distribuição e pontos de venda, bem como nas operações e logística. Ao nível das inovações de produtos, destacamos uma alteração do sortido de produtos dos retalhistas relacionada com o reforço das marcas exclusivas dos distribuidores (em produtos orgânicos e biológicos; produtos relacionados com saúde e bem-estar; menos sal, açúcar e gorduras; produtos sem glúten; produtos com proteínas criadas em laboratório e com proteínas vegetais; produtos proporcionadores de beleza para pele e cabelos), e processos de fabrico avançados (que permitem a redução dos timings de produção, e a oferta de produtos personalizados, nomeadamente nos setores da moda, vestuário e calçado).
Ao nível do marketing, canais de distribuição e pontos de venda, as lojas do futuro terão uma abordagem omnicanal (podendo ser mesmo vistas como centros de distribuição das encomendas online) e a serem mais tecnológicas do que hoje em dia (com robots, chatbots, assistentes virtuais, mecanismos de realidade virtual e aumentada, utilização de QR Codes em larga escala, utilização de tecnologia e algoritmos para minimizar os tempos em filas de espera, alterações nos meios de pagamento aceites, checkouts automáticos; utilização de marketing de proximidade com ofertas em tempo real para os clientes baseadas na sua localização e históricos de consumo – mesmo dentro dos pontos de venda físicos); pontos de venda físicos alternativos (nomeadamente com lojas virtuais em zonas de elevado tráfego como estações de metro, paragens de autocarro e mesmo hospitais); e uma maior utilização de lojas pop-up como forma de testar novos conceitos de negócio. Existirão ainda assistentes virtuais em casa (como hoje já temos o Alexa da Amazon), que permitirão que façamos as compras por voz, sem sairmos de casa. Ao nível das operações e logística, perspetivamos uma maior utilização da tecnologia RFID, a entrega de encomendas de forma autónoma associada ao e-commerce, a robotização dos centros de distribuição e armazéns dos pontos de venda, a utilização da blockchain na cadeia de abastecimento, a existência de embalagens otimizadas para e-commerce, e as embalagens conectadas através da Internet of Things, entre outras inovações. Ao nível dos custos, no modelo de negócio do retalho no futuro, perspetivamos um aumento nos custos dos sistemas de informação e comunicação (inerentes às novas tecnologias e “big data”), na distribuição dos produtos (associados ao fenómeno da “última milha do retalho” e ao aumento do e-commerce), e ao nível e stocks (na medida em que os produtos originários de economias emergentes vão ficar mais caros, devido ao aumento dos custos laborais nessas economias). Perspetivamos ainda um decréscimo nos custos relacionados com o marketing e comunicação (que passará duma abordagem massificada, para uma abordagem personalizada, low-cost e predominantemente digital); e com a propriedade dos pontos de venda físicos (inerentes à otimização do parque de lojas e reformulação inerente ao retalho omnicanal). Perspetivamos ainda uma alteração nos custos com os colaboradores, com um decréscimo no número de colaboradores dos pontos de venda físicos, e um aumento de colaboradores “especialistas” que apoiam as operações dos pontos de venda, como analistas de dados e especialistas em sistemas de informação. O setor da distribuição é assim marcado por um sistema de inovação aberto, podendo as inovações serem replicadas pelos diversos retalhistas num curto espaço de tempo. Os fenómenos de monitorização e benchmarking permanente, a imitação e adaptação das diversas propostas de valor dos retalhistas será assim disseminada facilmente pelos vários retalhistas ao longo do tempo. No mercado português, em específico, teremos a instalação do líder de mercado do retalho alimentar em Espanha, a Mercadona. Veremos como a estratégia “every day low price” será aceite em Portugal, e como é que os concorrentes já instalados irão reagir a este concorrente. Em jeito de conclusão, diríamos que as alterações no retalho passam pelos consumidores (e respetivas preferências, tendências sociais e económicas); pelos concorrentes (através da monitorização e benchmarking permanente associada a um setor de “inovação aberta”); proposta de valor (com estratégias de pricing, sortido de produtos, serviço ao cliente, balanceamento de formatos e conceitos de loja e procura de eficiência nas operações e logística dos diversos operadores), e uma predisposição para a mudança permanente dos retalhistas (para adaptarem a proposta de valor que apresentam aos seus clientes, e efetuarem as alterações necessárias nos processos e tecnologias que a suportam).
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Joaquim Monteiro Pratas/Pedro Quelhas Brito
Distribuição-Gestão de Pontos de Venda e de Retalho
Actual Editora 32,90€