Devorados como crocodilos

Os crocodilos de que fala são os homens, que se devoram uns aos outros sem dó nem piedade, num ataque surpreendente e rápido depois de uma espera paciente pelo melhor momento para atacar a presa, como explicou a autora aos jornalistas durante a sua deslocação a Lisboa para promover o seu primeiro livro editado em Portugal. E os olhos amarelos são uma referência ao deus da modernidade: o dinheiro, esse ouro reluzente pelo qual tudo se sacrifica: o amor, a amizade, a família, os valores.
Katherine Pancol constrói uma trama bem urdida em torno de duas mulheres, que embora irmãs são o oposto uma da outra, personagens-tipo do “ser” e do “parecer”. Iris, a mulher bonita, rica, bem casada, voltada para o exterior e vazia por dentro; e Josephine, a “gata borralheira” inteligente e culta mas sem saber tirar partido da sua riqueza interior, deixando-se submergir num casamento rotineiro, numa família egoísta, num corpo sem graça. É o estereótipo da mulher actual, abandonada pelo marido e com dois filhos exigentes para satisfazer.
É todo um mundo feminino que se desenrola à frente do leitor e com o qual ele se identificará facilmente – ou pelo menos com uma das muitas mulheres que lhe dão vida, de tão reais e actuais que Pancol as criou.
É, também, o confronto entre a cidade (neste caso Paris) e os subúrbios; entre os sonhos e a realidade; entre o trabalho intelectual, desprezado e desvalorizado nas sociedades pós-modernas (a quem interessa a investigação sobre o século XII?), e o “glamouroso” mundo do sucesso, do dinheiro, dos círculos sociais.
Até que num golpe de mestre Pancol troca as voltas às suas personagens. A ambiciosa Iris, insatisfeita com a sua vida vazia, declara-se escritora, assumindo perante um influente grupo de amigos(?) que está a escrever um livro. Demasiado tarde para recuar, só lhe resta pedir ajuda à irmã. E Josephine, enredada nas dívidas deixadas pelo marido em fuga, face ao acumular de contas por pagar e às exigências das filhas (especialmente Hortense, a adolescente fria e calculista) aceita a incumbência: prescinde da autoria da obra em troca da totalidade dos direitos de autor. Uma espécie de pacto com o diabo que irá mudar totalmente a vida das duas irmãs, do ciclo familiar alargado e de todos os que com elas convivem, mais ou menos intimamente.
“Os olhos Amarelos dos Crocodilos” é um fantástico puzzle de personagens, e Pancol vai utilizando uma multiplicidade de emoções como peças que compõem o quadro final: amor, ódio, traição, medo, amizade, azedume, rancor, orgulho, respeito.
Uma teia finamente tecida que lhe tem valido reconhecimento internacional. O livro, que vendeu já mais de um milhão de exemplares em França e vai na sexta edição em Espanha, é o primeiro de uma trilogia de que fazem parte “A Valsa Lenta das Tartarugas” e “Os Esquilos do Central Park Estão Tristes à Segunda-Feira” (ainda não editados em Portugal).
Katherine Pancol nasceu em Casablanca, Marrocos, tendo mudado para França aos cinco anos. Estudou Literatura, deu aulas de Francês e Latim e dedicou-se ao jornalismo, profissão que muito contribuiu para lhe despertar a atenção e a capacidade de “captar” o mundo à sua volta.
Ex-jornalista de publicações como “Paris Match”, “Cosmopolitan” e “Elle”, para as quais entrevistou, entre outros, Reagan, Jospin, Chirac, Meryl Streep, Johnny, Vanessa Paradis, Martin Scorsese ou Johnny Depp, aos 56 anos Katherine Pancol diz-se surpreendida com o êxito alcançado com este livro, até porque não é a primeira vez que se aventura na ficção. O primeiro romance, “Moi d’abord”, foi publicado em 1979.
Aos portugueses resta aguardar pela tradução de mais obras de Pancol – especialmente das duas que completam a trilogia… e que segundo a crítica devoram-se com tanto apetite como “Os olhos Amarelos dos Crocodilos”.
_______________
Katherine Pancol
Os olhos Amarelos dos Crocodilos
A Esfera dos Livros, 19€