Desigualdades socias marcam mundo contemporâneo
As desigualdades sociais são múltiplas e complexas, assumindo diferentes formas, por exemplo, de níveis de rendimento, estratificação e mobilidade social, classes, de género, raça e etnia, de pobreza e exclusão social, de políticas sociais, de movimentos sociais e ação coletiva. E estão em constante processo de mudança: extinguem-se umas, surgem outras, outras ainda transformam-se em termos de intensidade, escala e significado social.
António Firmino da Costa, sociólogo e professor no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tem estudado a fundo estas questões e verteu a sua investigação numa obra recente, “Desigualdades sociais contemporâneas”, um pequeno livro de quase duas centenas de páginas.
Socorrendo-se de teorias e conceitos pertinentes e informação empírica relevante, obra coloca o enfoque em três caraterísticas das desigualdades sociais: atualidade (as mais significativas atualmente), multidimensionalidade (num vasto leque de vertentes e domínios) e globalidade (num mundo fortemente interdependente, as desigualdades globais têm repercussões a todos os níveis).
O livro está organizado em dez capítulos. Os três primeiros introduzem pontos nucleares da análise das desigualdades sociais contemporâneas – problemática, teoria e metodologia; os três seguintes especializam o enfoque, abordando dimensões importantes das desigualdades sociais (de rendimentos, desigualdades vitais e existenciais) e suas interconexões; o sétimo capítulo aprofunda as relações entre desigualdades e justiça social no atual mundo globalizado; os dois seguintes tratam das desigualdades sociais em várias regiões, nomeadamente em Portugal e na Europa, nos EUA, Brasil, Japão e China; o décimo aborda algumas das vertentes atuais mais importantes das desigualdades globais.
A obra não inclui os muitos dados, quadros e gráficos utilizados pelo autor, mas para uma abordagem mais completa Firmino da Costa sugere que a leitura seja intercalada com a consulta de sítios eletrónicos, cuja seleção apresenta no final dos capítulos 1 e 3.
Detendo-se numa realidade conhecida, a portuguesa, e estabelecendo comparações com a dos países que fazem parte do espaço social comum, o europeu, o sociólogo analisa algumas das desigualdades sociais mais relevantes num contexto caraterizado pela “globalização” e a “sociedade do conhecimento”. Em causa as desigualdades de rendimentos, de recursos educativos, as taxas de risco de pobreza ou a literacia. Portugal, como seria de esperar, fica mal na fotografia.
Em 2008, o País era um dos Estados-membros da União Europeia com maiores desigualdades de rendimentos, a par da Letónia, Lituânia, Roménia, Bulgária, Grécia e Reino Unido. No extremo oposto encontravam-se a Suécia, Dinamarca, Hungria, República Checa, Eslováquia e Eslovénia.
Além disso, o PIB per capita em Portugal situava-se entre três quartos e quatro quintos da média da UE. “A atual crise económica e financeira estará provavelmente a agravar esta situação nacional de desigualdade perante o espaço internacional europeu”, frisa o autor.
No entanto, a evolução da distribuição dos rendimentos entre 1993 e 2008 correspondeu, em termos gerais, a uma diminuição das desigualdades, especialmente devido ao aumento das proporções do rendimento auferidas pelos escalões de rendimentos mais baixos. Para tal muito terão contribuído “as políticas sociais a eles dirigidas, mantendo-se ou agravando-se, por outro lado, as assimetrias nos escalões de rendimentos mais elevados”.
Mas, salienta Firmino da Costa, é na componente salarial dos rendimentos – que representa cerca de 70% dos rendimentos das famílias – que é mais visível uma tendência para a acentuação das desigualdades. “Entre 1985 e 2008, os 10% de indivíduos com ganhos salariais mais elevados aumentaram a proporção dos rendimentos salariais por eles auferidas em 25%, os 1% com remunerações mais elevadas aumentaram essa proporção em 49%, e os 0,1% do topo das remunerações aumentaram-na em 70%”.
Relativamente às taxas de risco de pobreza relativa, Portugal localiza-se numa posição intermédia no espaço europeu, o que evidencia a “eficácia intermédia das políticas sociais” – redução de 25% para 18% da população, após transferências sociais.
De facto, a taxa de risco de pobreza desdeu de 22,5% em 1993 para 17,9% em 2008 (após transferências sociais), considerando a linha de pobreza relativa em 60% do rendimento mediano por adulto equivalente.
“Nos idosos, a redução da pobreza foi particularmente acentuada nesse período (de cerca de 40% para cerca de 20%), enquanto a pobreza infantil foi oscilando em torno dos 23%, sem se afastar duradouramente desse valor”, sublinha o sociólogo.
Quanto às desigualdades educativas em Portugal, estas eram “bastante grandes, quer relativamente ao conjunto da União Europeia, quer nas distribuições internas”, refere António Firmino da Costa, acrescentando: “A relação entre nível de qualificação escolar e nível de rendimento é forte.”
Uma referência ainda aos Estados Unidos, tantas vezes tomados como exemplo para a Europa. As desigualdades económicas atingem níveis muito elevados na sociedade norte-americana atual, dos mais elevados entre os países mais desenvolvidos.
Nos EUA, entre o princípio do séc. XX e a II Guerra Mundial, “aproximadamente 45% dos rendimentos do país eram apropriados pela população posicionada no decil superior da distribuição de rendimentos. Com a Grande Depressão, a economia de guerra, as mudanças ocorridas nas relações laborais e as políticas fiscais e de redistribuição do New Deal, essa fração dos rendimentos diminuiu acentuadamente para cerca de 30%”, escreve Firmino da Costa, acrescentando: “A desigualdade económica manteve nessa ordem de grandeza durante décadas, tendo recomeçado a subir, intensamente, nos anos 70 e 80, atingindo outra vez perto dos 45% no início do novo milénio”.
Segundo o sociólogo, uma das componentes desse processo foi a reorientação das políticas sociais: o valor real do salário mínimo começou a baixar, os apoios sociais aos desempregados e aos pobres foram reduzidos e o número de famílias pobres beneficiárias de apoios específicos também diminuiu bastante. Outra componente, salienta, foi “a progressiva quebra da capacidade de ação dos sindicatos e a redução das taxas de sindicalização”.
“Desigualdades sociais contemporâneas” é um livro imprescindível para quem quiser conhecer, com rigor, a realidade de Portugal e do mundo… e não tiver tendência para a depressão.
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António Firmino da Costa
Desigualdades Sociais Contemporâneas
Editora Mundos Sociais, 9,00€