Descrever a Europa vivendo no passado enquanto o resto do mundo vive no futuro
CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha
Escolhi este livro pelo título, fez-me lembrar Amor Towles, a elegância. O primeiro capítulo, o da chegada ao Hotel com Abdul e o senhor Montebello, ainda me conseguiu enganar. Depois foi perdendo força com bons e maus momentos intercalados. Mas não me arrependo de o ter lido por descrever a Europa vivendo no passado enquanto o resto do mundo vive no futuro, Abdul, o refugiado como Eneias e Montebello, o mordomo magnífico.
Entre a história de amor com Clio em Veneza, o jogo dos Caravaggio e a parte do Hotel, preferi a segunda, mas é provável que esse fosse o desejo do autor/narrador/personagem principal. Não gostei das descrições explícitas de sexo, nem da ostensiva descrição das marcas de roupa, pareceram-me banais. Mas, mesmo assim, fica muito para gostar: “não há nenhum destino sem saber claramente a origem, nem futuro sem uma versão legível do passado.”
Frases que posso corroborar e confirmar: “Cada vez que uma pessoa chega a Veneza, fá-lo pela primeira vez” pois “A direção não tem grande importância numa cidade que não vai a lado nenhum.”
Também alguns sonhos de futuro “nunca ter sacrificado à velhice a capacidade de se surpreender”
E as viagens, a crítica mordaz aos turistas, ao turismo “uma cidade que se rende ao turismo vende a sua alma”, e mesmo aos viajantes que não se julgam turistas e o são ainda mais do que os outros. “Se uma pessoa for a todos os sítios que lhe interessam, nunca mais passa uma noite em casa.” E “o turismo destrói aquilo que o atrai”.
Coisas que me interessam: “Sem o medo de falhar, o amor é o mero passatempo ou uma luta contra a solidão. Isso não torna um homem melhor, muito menos o mundo.” Assim como: “Toda a gente é bonita quando fala a sério sobre alguma coisa.”
Gostei muito de conhecer a história do insolente, arruaceiro e brilhante Caravaggio.
Para onde vão os museus? Para que serve a arte contemporânea? Devemos esconder o passado para olhar o futuro? “Um esconderijo que se pode esquecer nunca é seguro.”
Os cavaleiros de Malta, a Europa longe de África, o romance, mais perigoso que um filme, os migrantes que não podem ser perigosos porque “a migração é a essência do ser humano” e “o confronto entre duas culturas não leva à substituição de uma por outra, mas a uma nova cultura, em que ambas, magicamente, podem ser declarados vencedoras.”
A capacidade de se maravilhar “Ela olhou pra mim com aqueles olhos tristes e escuros que luziam como uma prova da existência de Deus” ou “As pessoas precisam de ficar pasmadas e maravilhadas e deixarem-se arrastar por um conto de aventuras. Aqueles que dizem que isto não é assim, deixaram-se embrutecer pela realidade desgastante de entregas de IRS, reuniões de pais e filas diárias. Perderam a criança que existia neles e inspiram compaixão.”
Afinal gostei de muita coisa.
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Ilja Leonard Pfeijffer
Grand Hotel Europa
Livros do Brasil 22€