Daniela Santiago: “Ninguém me contou. Estive lá”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro «A Tempestade Perfeita: Como a Extrema-Direita Regressou à Península Ibérica»?
R- O privilégio de assistir, in loco, a acontecimentos únicos na democracia espanhola, ao longo de seis anos. O fim do bipartidarismo, o crescimento de dois novos partidos (Podemos e Ciudadanos) que prometiam mudança, quebrar a alternância PSOE/PP e que acabaram por perder eleitorado, quase desaparecer, porque os eleitores acabam por preferir o original a “cópias”, camufladas por promessas vãs; uma crise política de dez meses; eleições a fio; a crise independentista catalã; as polémicas em torno da monarquia; o aumento desenfreado da chegada de migrantes à costa espanhola, transformando-a na maior porta de entrada na Europa, através do Mediterrâneo; a exumação de Franco, de milhares de vítimas das valas comuns, com o espicaçar de feridas (Memória Histórica: Guerra Civil, Franquismo) que continuam por sarar; o aumento da chamada Violência Machista… A Tempestade Perfeita para a erupção de partidos e movimentos radicais à direita (com a extrema-esquerda no Governo, na primeira coligação da História da democracia espanhola), que se aproveitam do descontentamento e do demérito dos partidos e políticos tradicionais, que falham nas promessas, na incapacidade de resolver problemas, que desiludem os cidadãos levando-os sempre a escolher “a novidade”, seja por ser um produto novo, seja para penalizar os que estão no poder e fracassaram. Assisti, de forma privilegiada a tudo, para reportar estes acontecimentos únicos na RTP, como correspondente em Espanha. Ninguém me contou. Estive lá. Entrevistei os protagonistas, presenciei detalhes nos bastidores que ficaram por contar, estudei, investiguei, analisei e comparei. Seria uma pena, não partilhar imensa fortuna, comparando, obviamente, com o que está a acontecer em Portugal, com o Chega, que bebe muitas das influências, partilha ideias e ideais programáticos, que quase “copia”, e tenta amealhar, somar votos, nesta Tempestade que varre, não só a Península Ibérica, como toda a Europa.
2-Na pesquisa que realizou, o que mais a surpreendeu neste fenómeno da afirmação da extrema-direita em Portugal e Espanha?
R- As semelhanças, apesar de Espanha ter um passado incomparavelmente mais doloroso, sangrento, extremista que Portugal. Da Guerra Civil, à ditadura de Francisco Franco ou à ETA. Felizmente, Portugal não tem este passado recente como Espanha, que tem enterrados, em valas comuns, milhares de republicanos cujas famílias procuram exumar e dar uma sepultura digna ou centenas e centenas de vítimas de ataques sangrentos, de um grupo separatista, terrorista, que há poucos anos ainda matava, à bomba ou com um tiro na nuca. Tudo isto potencia comportamentos de repulsa e o voto na extrema-direita, quando os independentistas catalães defendem a autodeterminação da região ou milhares de migrantes ilegais (muitos muçulmanos) chegam à costa (depois dos Atentados de Atocha e da Catalunha). No entanto, vivemos num mundo global e, acima de tudo, numa península onde os portugueses acompanham o dia-a-dia de Espanha com grande atenção (não podemos dizer o inverso, infelizmente) e onde se partilham opiniões, demonstrações públicas, manifestações e, acima de tudo, o descontentamento no que diz respeito à classe política; aos atos que não correspondem ao prometido; às sucessivas crises, económicas, sociais, agora a pandémica; fundindo-se, alimentando o mesmo sentimento de frustração, de fracasso, de determinadas “classes sociais” (não gosto da expressão) que nunca conseguem atingir o que auguram, os mais fustigados. São esses que perseguem propostas mais radicais, para além de pessoas que partilham determinadas ideologias. Os Franquistas nunca desapareceram por completo, em Espanha, tal como aqueles que continuam a defender que “no tempo de Salazar é que era bom.”
3-Do seu ponto de vista, são mais as semelhanças ou as diferenças que se podem encontrar na realidade dos dois países neste âmbito?
R-Afortunadamente, tal como escrevo no livro e entendo que o VOX perceciona o Chega, em Portugal, o partido de André Ventura é uma cópia “barata” da formação política de Santiago Abascal. O Chega e Ventura são um só. Podem existir vários dirigentes e estrategas, de importância, mas o Chega é um partido de um único homem, tal como era o Ciudadanos de Albert Rivera. Saiu Rivera, o Ciudadanos desmoronou-se por completo. No caso do VOX, existe uma estrutura, um passado, num país por maioria de razões mais propenso a este discurso e propostas mais radicais, que alicerçam o partido em bases mais fortes. Há rostos com grande protagonismo mediático, votações bastante expressivas. Abascal é um dissidente do PP, que tem porte de arma pela vida de ameaças enquanto líder local no País Basco, em tempos da ETA. Ventura é um dissidente do PSD, professor universitário que se “armou” no confronto político, na argumentação, como comentador em espaços como a CMTV. Ambos revelam e defendem, tal como os programas dos partidos políticos que lideram, comportamentos xenófobos, racistas, machistas… Só o tempo dirá, e não será necessário esperar muito, se os portugueses vão elevar a extrema-direita portuguesa a terceira força política nacional, como fizeram os eleitores espanhóis. Para já, a experiência nos Açores (Chega a apoiar o Governo regional PSD-CDS) é muito idêntica à da Andaluzia, a primeira vez em que um Governo autonómico espanhol se formou, com o apoio da extrema-direita, depois da Transição. A Tempestade ainda não amainou. Julgo que o meu livro é crucial para a entender, assim como muitos outros aspetos desta nossa Península.
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Daniela Santiago
A Tempestade Perfeita: Como a Extrema-Direita Regressou à Península Ibérica
Oficina do Livro 17,90€