Cátia Palha | A Era das Brumas
1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Era das Brumas»?
R- Representa uma forma de expôr ideias e crenças que estão enraizadas e que inadvertidamente são passadas para o livro, auxiliando a definir os contornos das paisagens, os sons da Natureza, as cadências da Vida num mundo que até então era inexistente, a personalidade dos personagens…É igualmente através da «Era das Brumas» que me estreio no mundo da escrita, que dou a conhecer ao público o meu estilo, desejando poder transportar o leitor até ao mundo que criei e poder imprimir-lhe as sensações que este foi imprimindo em mim. Poder resgatar o leitor ao mundo real para o transportar para o mundo criado, sem que este se separe de questões actuais como a guerra, a vingança, a amizade, a lealdade, a traição…numa atmosfera medieval, onde as próprias personagens são colocadas à prova sendo forçadas a superar os desafios que se lhes deparam. Nessa atmosfera medieval também para ultrapassar as provações o Eu é muitas vezes superado; assim o leitor é catapultado de um mundo criado para o real e deste para aquele sendo esta dicotomia presente em toda a obra.Através das personagens coloca-se na berlinda algumas das esferas da Moral que parecem hoje em dia terem caído no imenso e frio vazio do esquecimento como seja a amizade, a lealdade, a confiança, a capacidade de acreditar, a força interior, a simplicidade, a humildade, o altruísmo, a responsabilidade, a maturidade… Todas surgirão, a seu tempo.O livro representou e ainda representa uma vez que é uma criação continuada – um grande desafio… Ousar erguer um mundo a partir do nada, criar povos, Línguas, costumes, passados… Um desafio enternecedor que cativou e apaixonou (e assim se mantém). Quem cria, fá-lo em princípio por amor. À medida que se cria a feição entre quem cria e é criado é um misto de amor, de cumplicidade, tocando por vezes a indistinção entre o real e a ficção. Contudo, como qualquer acto criativo/criador, o percurso a percorrer é longo e a aprendizagem far-se-á por etapas, como qualquer crescimento.
2-Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R-O processo criativo é irredutível. Não foi uma só ideia, mas múltiplas ideias, qual processo alucinatório, que lentamente foram tecendo as paisagens e a realidade de Yêmanenphizz. Não obstante, se se tiver que enunciar a mais forte de todas as ideias, a impulsora, emerge a crença de que a Vida provém do ténue, frágil e dinâmico equilíbrio entre as duas forças antagónicas que acompanham o Homem desde os tempos mais remotos: o Bem e o Mal. A crença que é da contínua contenda entre estas mesmas forças que a Vida gera, desenvolve e renova, mantendo viva a estreita relação de indissociabilidade que existe entre as mesmas.Encare-se estas duas forças como sendo o cerne de toda a Vida; o cerne a partir do qual todo o restante flui, como seja o caso das guerras, das disputas, das grandes invenções, da honra, da honestidade… Equilíbrio este volátil que é continuamente destruído, onde ou o Bem ou o Mal demonstram ter mais força.Vivem-se tempos onde as guerras e as contendas dominam os órgãos de comunicação, onde a errónea crença de que devemos combater o acto de terrorismo, a guerra, as contendas numa moeda igual se enraíza cada vez mais nas diversas sociedades… Através das personagens procura-se erguer aos olhos do leitor a realidade de que numa guerra nunca ninguém sai vencedor, de que não existe bem que venha ao mundo e grandes são os flagelos que daí advêm… Todavia, e como a consciência assim obriga, expõe-se a forma como um dos lados é sempre coagido a tomar uma posição consoante as suas próprias crenças o levam a crer que seja o melhor para si e para os seus. Ainda que este livro tenha sido escrito muito antes destes últimos acontecimentos avassaladores, a actualidade nele encontra-se perfeitamente espelhada, o que nos remete para o ciclo da Vida.Outra ideia que guiou a criação deste livro foi a de que cada um de nós possui o livre-arbítrio e como tal, tanto a boa como a má acção só será tomada se assim o desejarmos. Somo nós o praticante e pelas suas consequências deveremos sempre responder. A própria altura em que a história se desenvolve é propositada. Desenrola-se assim, nos primeiros tempos de uma nova Era onde os povos se sentem perdidos e hesitantes quanto ao que o futuro lhes reserva… Os tempos que se vivem encontram-se imersos em brumas, num clima de incerteza e insegurança onde o receio que se vive na calada dos pensamentos mais íntimos é colocado à prova. Colocam-se personagens fictícias revestidas de veracidade, sob a pressão do uso do livre-arbítrio. A capacidade que cada uma das personagens tem em dar o primeiro passo rumo ao desconhecido, a capacidade que as mesmas têm de confiar nos que se encontram à sua volta e acima de tudo, manterem-se honestas para consigo. Tudo é colocado à prova.Até que ponto uma pessoa aceita as consequências que advêm dos actos que praticou e até que ponto se encontra solidária para com os que se encontram à sua volta, até que ponto consegue ela abnegar de si para dar prioridade ao próximo? Ainda assim, apesar de deter esta perspectiva da existência do livre-arbítrio, não é colocada, em momento algum, de parte, a ténue impressão de que existe sempre uma força superior que conduz os nossos passos até à meta que nos está destinada. A crença de que existe uma força transcendente e poderosa que guia os cursos das vidas, assinalando em cada uma os pontos fulcrais, delegando à entidade a quem essa vida pertence a responsabilidade de escolher o melhor caminho pelo qual seguirá até lá chegar. Ainda assim, está sempre sujeito a calcorrear trilhos de terra suave ou alcantilados e cobertos de espinhos.Observar/constatar que os acontecimentos apresentam diversos ângulos sob o mesmo prisma é aliciante. Por isso explora-se um pouco mais as personagens que, digamos de um modo grosseiro, personificam o Mal. Tanto que não se consegue resistir à tentação de agarrar em mais do que uma e colocá-la num plano privilegiado…Acredita-se que uma pessoa malévola possui «bem» dentro dela e que se as condições a tal se proporcionarem poderá em momentos chave salientar-se e trazer um bem maior independentemente de ser essa ou não a sua vontade.No mundo todos desempenhamos um papel, tudo possui a sua função e a seu tempo revelará a sua devida importância. Somos todos actores nesta grande peça que é a Vida e como tal, para que esta possa desenvolver-se, todos os actores têm que entrar em palco a seu devido tempo e desempenhar o papel que lhes compete.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Presentemente encontro o meu tempo bastante preenchido pelo curso que estou a tirar. É bastante exigente e implica uma entrega total da nossa parte.Todavia, encontro-me a esboçar o segundo volume da obra aproveitando todos os momentos livres (e que são poucos) de que disponho, porque continuo a querer resgatar gente que ouse “viajar” entre dois mundos distintos mas que qual dicotomia, se tocam.