Crime em português, do banal ao insólito
1- Qual a ideia que esteve na base deste seu «Almanaque do Crime Português»?
R- A ideia partiu da Guerra & Paz, que me desafiou a encaixar na fileira dos seus Almanaques um livro focado no crime mundial, assunto que sempre me cativou. A meio da pesquisa, percebi que seria não só possível mas também mais interessante apertar o foco nos crimes de maior impacto made in Portugal. A tarefa seguinte foi a de organizar as matérias em formato de almanaque. Inventei secções algo inesperadas, como a do «Crime Artístico» ou a dos «Padroeiros do Crime», de forma a aligeirar temáticas tendencialmente mais pesadas – porque um aspecto que nunca esqueci é que a impregnar muitos destes episódios está o sofrimento e desespero das vítimas (e até dos autores) dos crimes. Apesar de tudo, não há mês do ano que não tenha uma boa parcela de apontamentos cómicos e é esta diversidade de temas e estilos que cumpre a ideia de um almanaque.
2- Na sua pesquisa ao preparar esta obra, identificou a principal e predominante característica do crime em Portugal?
R- Apontar a característica principal implicaria uma análise que escapa ao âmbito deste livro, até porque a inevitável selecção de crimes deixou de fora um universo de outras infracções. O que posso afirmar é que, pelo que estudei dos crimes, lusos e não só, singelos ou sensacionais, planeados ou impulsivos, nenhum é linear. É como com as impressões digitais: os mesmos contornos básicos, a repetição dos mesmos traços mas com um resultado absolutamente único. Todos os crimes, incluindo os mais simples, misturam diferentes factores, dos mais banais aos mais insólitos, e são estas constantes recombinações que os tornam tão difíceis de prever, moderar ou suprimir. Devemos tentar conhecê-los melhor, e é essa a serventia deste Almanaque, mas enquanto a mente humana estiver em acção, o crime será sempre um dos seus cúmplices.
3- Ainda podemos considerar que somos um «povo de brandos costumes»?
R- Como qualquer chavão, esse é um conceito que convém desmontar. Diga-se que, por comparação, encontrei, de facto, personagens e façanhas criminosas bem mais hediondas nos registos criminalísticos estrangeiros, especialmente em termos de escala. Creio, porém, que o crime, sobretudo o de sangue, não é só um acto que transgride a linha da lei: é um gesto que transporta a consciência humana a uma zona limite, sem fé e sem freio, de onde raramente há retorno. E, nesse campo do duelo com o desconhecido, o engenho criminoso português não fica atrás de nenhum outro.
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Maria João Medeiros
Almanaque do Crime Português
Guerra e Paz 13€