Conta-me como foi… nos jornais
A chegada de novas tecnologias ao quotidiano da informação, com novos paradigmas na comercialização de jornais, espaços radiofónicos e televisivos, pôs os jornais no foco dos noticiários. Será que sobrevivem à Internet?, é uma das perguntas recorrentes. Acresce o facto de as matérias relacionadas com a comunicação, seja na vertente institucional, seja na de massas, não esquecendo espaços entretanto abertos à circulação de dados e opiniões, se terem tornado objecto de estudo a nível universitário, com licenciaturas, mestrados e doutoramentos em quase tudo o que é ensino superior português.
O facto leva a uma velha pergunta: há alguma área que volte as costas ao seu passado, mais que não seja para aí procurar o seu código genético, sem prejuízo no aclaramento dos seus objectivos, dos problemas e defeitos, dos novos caminhos que sempre foi preciso encontrar – nomeadamente quando os impulsos tecnológicos ditaram transformações profundas no modo de fazer, de difundir e atingir os alvos?
A nível universitário tem reinado o desinteresse pela historiografia da imprensa (leia-se comunicação social) portuguesa. As matérias respeitantes ao seu passado – na acepção mais aberta – são afloradas superficialmente, salvo algumas teses de mestrado e doutoramento, ou de modo igualmente avulso, em trabalhos de avaliação em cadeiras curriculares. E, ao que se sabe, o desconhecimento da actividade jornalística na prática, passada e presente, é predominante. Com pasmo, nem sempre é preciso avançar para a realidade recente (quanto mais remota…): mesmo o contexto actual é frequentemente ignorado.
Curiosamente, há um espólio que se perde face a essa indiferença, ressaltando arquivos de jornais que se somem (muitas vezes vão para o lixo), homens da área que morrem e levam com eles as suas memórias (de jornalistas a administradores, incluindo governantes que tutelaram a informação).
Dois investigadores universitários têm dedicado parte do seu labor, nos últimos anos, à investigação de um passado não muito longínquo da imprensa portuguesa. De facto, Fernando Correia e Carla Baptista dão seguimento, no seu recente Memórias vivas do jornalismo, a um trabalho que já teve primeiro balanço em Jornalistas. Do ofício à profissão e visa “fazer a história das condições de exercício da profissão em Portugal, através de entrevistas a jornalistas desse tempo” [década de 60 do século XX].
Uma época que, constataram os dois também docentes universitários, trouxe “mudanças importantes nos modos de pensar, sentir e fazer jornalismo”, que traduzem e contradizem “o quadro histórico em que ocorreram e é por isso que olhar para as formas internas de laboração jornalística, em vez de apenas recolher os seus despojos mortos (os jornais velhos), constitui uma fascinante porta de entrada para aceder à compreensão de uma época”. Em suma, trata-se de anos que “consideramos decisivos para a própria construção da profissão”.
As conclusões tiradas deste conjunto de entrevistas com 17 jornalistas veteranos (alguns deles entretanto falecidos) são diversas. Em suma, dizem os autores, em Introdução: “Forjado em fogo lento, em convívio com várias culturas profissionais (desde os tipógrafos aos ardinas e aos administradores que se conheciam e iam à redacção), os jornalistas formados nas décadas de 60 e 70 preservaram – pelo menos tanto quanto a Censura o permitia – os desafios mais humanos que a profissão encerra: a capacidade de escolher o notável, atribuir o sentido às coisas que passam, narrar com desenvoltura e rigor, viajar no mundo e aí retratar factos e pessoas”.
Uma janela, como se percebe, que se abre para o entendimento do que desde então se passou, com o fim do salazarismo, a ascensão e queda do marcelismo, o 25 de Abril e a Revolução que talvez não tenha sido na informação, até aos dias de hoje. Sim, quando são aplicados novos dispositivos tecnológicos e outras perspectivas económicas, e emergem quadros com mais formação teórica em situação de liberdade, o conhecimento desses tempos talvez seja de grande utilidade.
E não só para os profissionais deste ofício. A condição de leitor concede a todos o direito de saber como se faz a informação, as razões de determinadas escolhas, a nível editorial como organizacional. Sim, porque tal como dantes, mesmo quando as empresas jornalísticas não dão lucro são presa apetecível dos poderes – políticos, económicos, religiosos, e tudo o mais. Um livro não para especialistas, portanto.
__________
Fernando Correia & Carla Baptista
(Fotografias de Alexandra Silva)
Memórias vivas do jornalismo
Editorial Caminho, 25€
A nível universitário tem reinado o desinteresse pela historiografia da imprensa (leia-se comunicação social) portuguesa. As matérias respeitantes ao seu passado – na acepção mais aberta – são afloradas superficialmente, salvo algumas teses de mestrado e doutoramento, ou de modo igualmente avulso, em trabalhos de avaliação em cadeiras curriculares. E, ao que se sabe, o desconhecimento da actividade jornalística na prática, passada e presente, é predominante. Com pasmo, nem sempre é preciso avançar para a realidade recente (quanto mais remota…): mesmo o contexto actual é frequentemente ignorado.
Curiosamente, há um espólio que se perde face a essa indiferença, ressaltando arquivos de jornais que se somem (muitas vezes vão para o lixo), homens da área que morrem e levam com eles as suas memórias (de jornalistas a administradores, incluindo governantes que tutelaram a informação).
Dois investigadores universitários têm dedicado parte do seu labor, nos últimos anos, à investigação de um passado não muito longínquo da imprensa portuguesa. De facto, Fernando Correia e Carla Baptista dão seguimento, no seu recente Memórias vivas do jornalismo, a um trabalho que já teve primeiro balanço em Jornalistas. Do ofício à profissão e visa “fazer a história das condições de exercício da profissão em Portugal, através de entrevistas a jornalistas desse tempo” [década de 60 do século XX].
Uma época que, constataram os dois também docentes universitários, trouxe “mudanças importantes nos modos de pensar, sentir e fazer jornalismo”, que traduzem e contradizem “o quadro histórico em que ocorreram e é por isso que olhar para as formas internas de laboração jornalística, em vez de apenas recolher os seus despojos mortos (os jornais velhos), constitui uma fascinante porta de entrada para aceder à compreensão de uma época”. Em suma, trata-se de anos que “consideramos decisivos para a própria construção da profissão”.
As conclusões tiradas deste conjunto de entrevistas com 17 jornalistas veteranos (alguns deles entretanto falecidos) são diversas. Em suma, dizem os autores, em Introdução: “Forjado em fogo lento, em convívio com várias culturas profissionais (desde os tipógrafos aos ardinas e aos administradores que se conheciam e iam à redacção), os jornalistas formados nas décadas de 60 e 70 preservaram – pelo menos tanto quanto a Censura o permitia – os desafios mais humanos que a profissão encerra: a capacidade de escolher o notável, atribuir o sentido às coisas que passam, narrar com desenvoltura e rigor, viajar no mundo e aí retratar factos e pessoas”.
Uma janela, como se percebe, que se abre para o entendimento do que desde então se passou, com o fim do salazarismo, a ascensão e queda do marcelismo, o 25 de Abril e a Revolução que talvez não tenha sido na informação, até aos dias de hoje. Sim, quando são aplicados novos dispositivos tecnológicos e outras perspectivas económicas, e emergem quadros com mais formação teórica em situação de liberdade, o conhecimento desses tempos talvez seja de grande utilidade.
E não só para os profissionais deste ofício. A condição de leitor concede a todos o direito de saber como se faz a informação, as razões de determinadas escolhas, a nível editorial como organizacional. Sim, porque tal como dantes, mesmo quando as empresas jornalísticas não dão lucro são presa apetecível dos poderes – políticos, económicos, religiosos, e tudo o mais. Um livro não para especialistas, portanto.
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Fernando Correia & Carla Baptista
(Fotografias de Alexandra Silva)
Memórias vivas do jornalismo
Editorial Caminho, 25€