Como é impossível resumir um romance
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
Confesso que não estava à espera disto, há escritores que não nos tocam à primeira e foi esse o caso do João. Mas não há nada como ser teimoso. É como o paladar: aprende-se a gostar. E gostei mesmo. A vida de quem já se perdeu e ainda não se reencontrou (como todos nós?): “Abdicamos da vida para podermos vivê-la, abdicamos dela a toda a hora, a todos os minutos, em cada gesto, é esta a crueldade contra a qual justamente nos revoltamos, uma luta desde sempre perdida, capitulada.” A vida que não é mais do que “uma dádiva, e uma ferida.” Sisifo e Dédalo ou como ultrapassar tudo aquilo que é impossível de ultrapassar: “a doença do medo.” Os deuses que nos invejam a mortalidade: “tu sonhas e os deuses não podem sonhar” e a “indiferença dos bichos.” A história dos que “nascem sem luz”, sem esperança, mas que em algum momento a reconquistam porque “precisamos de acreditar no impossível.” “Ninguém consegue salvar outra pessoa” pode ser uma verdade com mentira dentro. Mas pelo menos tentar. “Sem o impossível, o possível é insuportável.” Como é impossível resumir um romance se for bom não resumo nada. Interessa o que nos toca o íntimo, o que somos. E eu ali exposto: “Você preocupa-se demasiado. Um dia morre disso.” Tanta verdade.As grandes histórias “são obras do coração, têm origem num lugar que não tem nome.”
Vou ler outro, João.
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João Tordo
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