Cláudia Madeira | Híbrido: do Mito ao Paradigma Invasor

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1. De que trata este seu livro “Híbrido. Do Mito ao Paradigma Invasor”?
R- Trata de uma análise ao conceito de híbrido, desde a sua origem mitológica (e mais tarde religiosa), onde o híbrido ganha, especialmente na sua conotação monstruosa, a marca divina (e negativa) da transgressão – veja-se o mito do Minotauro, onde este semi-deus, metade homem, metade touro, figura a marca dos amores ilícitos, contra-naturais dos seus progenitores –, passando pela sua inscrição científica – que atravessa a evolução quer das ciências da vida, quer das ciências sociais, através de controvérsias, como as da sua fecundidade-infecundidade, positividade-negatividade, utilidade, degeneração, classificação, etc. –, até à sua banalização e naturalização na sociedade contemporânea. Neste processo de longa duração que acompanha a História, o híbrido parece ter descido do Olimpo, dando-se a ver hoje em todas as esferas e domínios da vida.

E, por isso, procuro analisar neste livro: que significados encerra a palavra híbrido; que ligações este conceito estabelece com outras noções, como monstro, mestiço, heterogéneo; o que tornará híbrido numa palavra mais ou menos adequada para descrever os fenómenos resultantes deste intenso apelo à mistura que caracteriza a nossa sociedade actual; que controvérsias científicas (das ciências sociais às ciências sociais) se desenvolveram em torno do conceito; se enquanto processo intencional de construção do mundo, traduzirá um mero produto discursivo, uma “ficção minoritária” construída por uma classe de cosmopolitas emergente, não representativa da realidade global; se se tratará de uma “moda”, de uma “fórmula de mercado”; se enquanto dinâmica social faz parte da história longa ou se traduz um fenómeno recente; se se manifesta por ciclos; se toma a história como collage ou como sampler; com que noções de cultura lida; como é que o híbrido afecta os quotidianos individuais de cada um; que novas performatividades contempla; se representa um perigo, perda e degeneração de identidades, ou vitalidade e força dos processos identitários; se remete para a carnavalesca arena da diversidade ou da mimesis?; enfim como Theatron, se ele é afinal paradigma , ou novo mito da contemporaneidade.

2. De forma resumida, qual a principal ideia que espera conseguir transmitir aos seus leitores?
R- Mais que uma ideia o que eu pretendo é questionar se este excesso de coisas, de objectos, de processos que se hibridizam na sociedade contemporânea, traduz hoje um novo paradigma da contemporaneidade, ou, se pelo contrário, esse processo traduz apenas um novo mito, uma construção, uma representação, de uma classe de cosmopolitas, que constroem uma leitura posicionada da realidade em torno das suas experiências. Porque, se é verdade que o hibridismo não traduz um fenómeno novo: desde sempre houve situações, coisas, contextos híbridos, também não deixa de ser verdade que este hibridismo parece expandir-se a todas as esferas, especialmente, através de uma construção intencional.
Hoje mais do que nunca vivemos num mundo híbrido, onde as identidades pessoais parecem ganhar novos habitus híbridos, onde nem sempre o visível traduz o invisível: olhamos hoje para um homem ou para uma mulher e nem sempre isso nos serve para designar o seu género. Na contemporaneidade, mais do que em qualquer outra época da história, a identidade de cada um pode ser moldada pelo aspiracional. Isto não quer dizer que vivemos hoje num hibridismo utópico, onde tudo é possível, continuam a existir condicionantes, ou até novos e maiores condicionantes mas, de facto, a nossa identidade pode assumir-se na contemporaneidade muito mais como um projecto de criação e em construção. Neste contexto, de banalização e naturalização do híbrido, tenho dúvidas de que haja zonas reservadas a esta hibridização, mesmo quando não nos assumimos como uma espécie de deuses, criadores das nossas vidas, o contexto geral acaba por contaminar tudo e todos e até o aldeão que nunca saiu da sua terra será de alguma forma hibridizado por esse processo. As teorias da comunicação mais recentes, como a teoria sociológica do campo ou dos “efeitos limitados”, têm-no explicado, pois não é por não se estar directamente exposto que não se é contaminado: a contaminação faz-se por mediações, pela partilha de determinado ambiente, também de forma indirecta, portanto.
Contudo, não deixa de ser verdade, que há hoje um fetichismo pelo híbrido. Na arte isso é especialmente evidente, o híbrido traduz, muitas vezes, a forma de inscrever a diferença, o espanto, e por isso gera-se uma ansiedade fetiche pelo estranho, pelo exótico, pela mistura do global com o “cheirinho a terra”, que leva a novas fórmulas de mercado no contexto artístico.

3. Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Para além de estar a reescrever, como sequência desta publicação, a minha tese de doutoramento sobre o hibridismo nas artes performativas, em Portugal, estou a desenvolver uma investigação no ICS- UL sobre o papel e o lugar da “arte social” em Portugal, uma arte em que o artista procura intervir performativamente em espaço público. Interessa-me perceber como é que o “retorno ao real”, na expressão de Hal Foster, ou “retorno ao social” como também lhe chama Claire Bishop, ou ainda, num âmbito mais geral, “viragem para a performance” (Jeffrey Alexander) se manifesta na arte contemporânea portuguesa. Estou a analisar se esta participação artística traduz uma espécie de política alternativa e, também, numa ligação a este hibridismo estrutural, a ciclicidade destas manifestações artísticas que parecem emergir especialmente em períodos de crise e revolução.
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Cláudia Madeira
Híbrido. Do Mito ao Paradigma Invasor

Editora Mundos Sociais