Carlos Vale Ferraz: “Um romance sobre a amizade entre um trio de desenraizados”
1-O que representa, no contexto da sua obra, o romance «O Gémeo de Ompanda e as suas Duas Almas»?
R-O tema do romance é a questão da identidade individual e de como ela reage à identidade coletiva, ao tempo da história e às circunstâncias. Como nos identificamos perante nós e perante a sociedade? O que é inato e o que é adquirido. Atsu, o protagonista, é um gémeo cuanhama que, segundo a tradição devia ser morto à nascença, sob o perigo de atrair uma maldição ao seu povo. A mãe salva-o e é educado em Portugal e aqui se forma e vive como um europeu. No regresso à sua terra vê-se confrontado com a sua maldição: o que fazer? Que papel desempenhar? Voltará a ser um cuanhama? O que era ele, afinal?
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Na origem deste livro está uma questão muito presente hoje em dia, o fim do colonialismo direto, o poder exercido diretamente pelas potências europeias e as sequelas resultantes do confronto de culturas. Como vêm os europeus o tempo em que acreditaram ter civilizado, europeizado e missionarizado os africanos e como estes, os aculturados como Atsu e os que pretendem manter as suas tradições, se vêm? Origem dos terríveis confrontos que ocorrem. Mas este é também um romance sobre a amizade entre um trio de desenraizados, um negro, um branco e uma mulher.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Estou a escrever aquilo que Norman Mailler designou por uma factfiction. Uma autobiografia com ficção sobre a minha geração, a que viveu na ditadura, a guerra colonial, que participou no 25 de Abril e no processo que se seguiu. Darei a minha visão da guerra, dos comportamentos, das relações sociais, da colonização, da descolonização, dos momentos quentes da revolução, até chegarmos ao ponto em que nos encontramos. Será um escrito sobre os nossos dilemas nos 50 anos do 25 de Abril.
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Carlos Vale Ferraz
O Gémeo de Ompanda e as suas Duas Almas
Porto Editora 16,60€