Carlos Ademar | O Bairro
1- O que representa, no contexto da sua obra, o livro «O Bairro»?
R- «O Bairro» é, de todos os meus livros, o que mais se aproxima do conceito já apelidado de «Neo-Realismo Revisitado» – nas últimas décadas, nunca fez tanto sentido falar em Neo-Realismo. A trama anda à volta de um bairro em concreto, a Cova da Moura, mas, confesso, apenas para conforto do autor, já que conheço bem aquela localidade. O que pretendi, de facto, foi abarcar todos os bairros que cresceram de forma desordenada, sem infra-estruturas; bairros que são procurados por migrantes, estrangeiros ou nacionais, que ali vão parar apenas porque não encontraram nada mais barato. As precárias condições urbanísticas em conjunto com a falta de raízes e estabilidade dos residentes, fazem com que o conflito estale frequentemente. Se adicionarmos a esta mistura o desemprego, o abuso de álcool, e as dependências de drogas, rapidamente caminhamos para um cenário de criminalidade frequente. Daí à criação de gangues com os chefes e os seus soldados é um salto curto. Face ao clima de aumento das situações criminais, as famílias mais endinheiradas abandonam o bairro, até porque são os alvos mais apetecíveis. Os pobres, os que não têm outra solução, ficam, submetem-se, pactuam nos atos e nos silêncios cúmplices. As polícias afastam-se porque as testemunhas, e até as vítimas, calam-se devido ao medo de represálias e, logo, a taxa de insucesso na investigação criminal é elevada. O sentimento de impunidade prolífera e o número de marginais aumenta devido ao fenómeno de imitação e da facilidade aquisitiva, e tudo isto com baixo risco de vir a ser penalizado pelas autoridades. As rivalidades entre gangues são também um foco de grande instabilidade no meio, até porque nesta fase já são eles, cada qual na sua zona, que faz a lei e pauta pela sua aplicação. O pior, e aqui entramos na história, foi quando alguém da PSP teve o inaudito atrevimento de ali entrar às 5 da manhã…
2- Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R- Tratando-se de uma ficção baseada em factos verídicos ocorridos na Cova da Moura em 2005 que, de resto, marcaram um ponto de viragem nas idiossincrasias do bairro, este livro pretende, para além da perspetiva de entretenimento do leitor que nunca desprezamos, usar uma história atraente para dar conta pública de situações como a que aqui é descrita, em que as autoridades políticas e policiais deixaram ao abandono – podemos dizê-lo – uma comunidade na mão dos interesses criminosos locais, contribuindo assim para que a zona se transformasse com a passagem do tempo e muito por efeito do já referido fenómeno de imitação, num autêntico ninho de marginais, situação que se tem verificado e continua a verificar em muitos bairros em torno das grandes cidades portugueses, com rapazes de 9 e 10 anos a praticarem crimes que não julgávamos possível serem praticados por gente de tão tenra idade, que, mercê disso, rapidamente vão conhecer os reformatórios, aproveitando para conviver com os mais velhos e aperfeiçoar as técnicas para usar mais tarde. «O Bairro» pretende também prestar tributo à mulher/mãe ali residente. Ao longo da obra, vão ter visibilidade três personagens que retratam as mulheres-tipo. São mulheres de gerações diferentes que, pelas experiências de vida, dão conta do sofrimento, não só motivado pelas carências materiais, mas também pelas feridas físicas e psicológicas sofridas, dadas as opções de vida dos homens das respetivas casas. Assim, desde Zaida, que aos 18 anos ficou viúva, até Alzira, já a rondar os 70 e que, subitamente, se vê na contingência de ter de cuidar de duas crianças de tenra idade porque toda a sua família foi presa, passando por Ângela, 32 anos, sete filhos, que a dado passo ficou amputada de um deles, morto a tiro por um agente da PSP.
3- Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- O meu próximo livro marca um novo regresso ao passado. Será o meu terceiro romance histórico, depois de O Homem da Carbonária e Primavera Adiada, de 2006 e 2010, respectivamente. Tenho na cabeça uma história fabulosa passada – de facto – entre Lisboa e Sintra nos anos trinta do século XX. Uma agremiação feminina ligada à alta sociedade lisboeta política e cultural, fazia os seus encontros num chalé de Sintra para eventos culturais e, diz-se, de sexo lésbico. Certo dia, um homem ali acorreu por ter ouvido dizer que uma sua irmã estava por lá. Só voltou a ser encontrado cadáver, cerca de um mês depois do desaparecimento. O livro, além de permitir ao autor mergulhar na História, pretende dar a conhecer a sociedade portuguesa numa fase em que o Estado Novo se estava a impor, tentando «limpar» ou esconder os vícios nefastos nascidos durante a República, não deixando, contudo, de continuar a imperar a lei do mais forte, como o resultado da investigação policial que foi feita ao crime veio a demonstrar. O resto fica para meados de 2013, quando prevejo que o livro chegue às livrarias.
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Calos Ademar
Calos Ademar
O Bairro
Oficina do Livro, 14,90€