Carla M. Soares: “O livro foi surgindo a partir de pequenas coisas”
1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Gente Feita de Terra»?
R- Na globalidade da minha obra, este livro é mais um passo numa escrita e narrativa que, espero, se vão fazendo maduras. Por outro lado, representa uma caminhada interior, porque é mais pessoal. Não é de maneira nenhuma autobiográfico, nem biográfico, não é a história da minha família em específico, mas de tantas outras que viveram experiências semelhantes durante a descolonização. No entanto, decorre na cidade onde nasci, nem outra coisa faria sentido, e tem muito de mim. Também é uma reflexão sobre a escrita, a mentira-verdade que ela é sempre, o domínio absoluto sobre aquele pequeno-infindo mundo que leva muitos de nós a precisar da escrita (há outras razões, claro), sobre as muitas formas de medo, sobre perdas e ganhos, abandonos, recomeços, sobre auto-descoberta e reconciliação e, porque tudo isto lá está, este não é um livro só para quem “retornou”. É para todos os que amam ler.
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R- Não sei se houve uma ideia: foi surgindo, a partir de pequenas coisas, de fotografias de família, de uma recordação alheia, porque eu não tenho nenhuma, de algo que li nalgum lado sobre esta terra, sobre a partida abrupta de tanta gente, e da impressão de que esta história estava cá dentro, a precisar de ser contada. Quando é que esta sensação nasceu, não sei. Na adolescência, talvez, porque também eu senti em ocasiões uma espécie de identidade dividida, a pena de não ter uma terra minha. Na verdade, sou profundamente europeia, portanto essa foi mais uma dor de crescimento, mas está neste livro com outras dores. Como cada personagem se foi delineando, não saberia dizer, por vezes é um mistério para mim a forma como cada uma vai ganhando personalidade e trilhando um caminho próprio: na altura da escrita, é assim que crescem, com frequência muito diferentes do que tinha pensado para elas no início.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Estou a escrever ensaios e recensões críticas! Na verdade, não sei quando poderei iniciar um novo livro, porque, a par das muitas responsabilidades extra-horário do meu trabalho diário como professora, estou a fazer doutoramento. Espero conseguir um dia ou dois na pausa do Natal para entrar no universo de A Grande Mão, o livro de fantasia ao qual regresso sempre que estou desesperada para escrever, mas não consigo, ou ao A Chama ao Vento, de cuja republicação vou sempre guardando esperança. Se alguns destes livros será publicado algum dia, não faço ideia, mas gostaria de rever meia dúzia de páginas, para matar saudades.
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Carla M. Soares
Gente Feita de Terra
Cultura Editora 17,50€