Bukowski: Resumo do amor

CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha

Faço dos versos arrancados ao livro do poeta boémio, de vómitos e carícias, porco, humilde, orgulhoso, bestial, numa mistura de esterco e ternura, o resumo do amor do último dos vencedores vencido:

“haverá sempre dinheiro e putas e bêbedos
até à última bomba,
mas como Deus disse,
cruzando as pernas,
vejo que fiz poetas de sobra
mas não muita
poesia.
é Inverno
de novo,
e tu caminhas sobre o soalho
pareces uma coisa pesada e estranha
e soa o autoclismo, um cão ladra
a porta de um carro bate…
algo nos fugiu inexoravelmente
e as ruas passam como pessoas caminhando
mas que posso eu perceber do amor
quando todos nós nascemos
num tempo e local diferentes
e nos encontramos apenas
mediante um truque dos séculos
e um acaso três passos
à esquerda?
ela dorme agora maravilhosamente
como
barcos no Nilo
o meu amor são dez mil cravos ardendo
é incrível quão completamente uma mulher pode entregar o seu
amor – quando
quer.
o amor é a chuva no telhado
de um velho hotel
em Los Angeles
o amor é um banco de bar
vazio
o amor é Dostoiévski diante
da roleta
e o amor é uma palavra
usada demasiadas vezes
e demasiado
cedo.
conduzo pelas ruas
a centímetros do choro
a graça é ser capaz de ouvir música rock,
música sinfónica, jazz
tudo o que contenha a energia original
do júbilo.
fiz a cidade, bebi a
metrópole, fodi o país, mijei
no universo.
pouco mais há a fazer do que
consolidar e ir saindo devagar.
quero dizer, já que se
anda por cá
mais vale lutar
pelo milagre.”
__________
Charles Bukowski
Sobre o Amor
Alfaguara  17,70€

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