Bruno Maia: “O sector privado cresce parasitando os recursos do SNS”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «O Negócio da Saúde»?
R-Ao longo dos últimos anos temos visto o sector privado da saúde a crescer, a consolidarem-se novos grupos, a surgirem novas unidades privadas por todo o país. Paralelamente, vemos dificuldades a acumularem-se no SNS, com listas de espera em crescendo e saída de profissionais, o que compromete o seu adequado funcionamento. Tínhamos a suspeita, mais do que justificada, que o desenvolvimento do sector privado e a degradação do SNS estavam intimamente relacionados. Mas eu quis ir mais longe, reunindo dados empíricos que fornecessem evidência dessa relação. Assim surgiu o livro. Selecionando dados oficiais, fornecidos por entidades acreditadas, como o Instituto Nacional de Estatística, a PORDATA ou a OCDE, o livro demonstra que há, de facto, uma correlação entre os dois sectores da saúde. O sector privado cresce parasitando os recursos do SNS: captando os seus profissionais e os seus utentes, coloca o SNS numa situação de “precisar” do privado para cumprir com a sua obrigação de universalidade, através do estabelecimento de convenções, parcerias público-privadas, empresas de trabalho temporário ou ainda, indiretamente, através de subsistemas como a ADSE. Quanto pior estiver o SNS, mais rentável é o negócio da saúde privada.
2-O SNS e os projectos empresariais privados são inconciliáveis no nosso país?
R-Não, são perfeitamente conciliáveis. A pergunta que importa responder é: que tipo de relação deve existir entre os sectores. O que temos hoje é uma relação de predação do privado sobre o SNS. O privado vive de acordos, convenções, parcerias com o sector público. E isso são rendas: porque o Estado não pode deixar de prover o acesso a cuidados de saúde, o privado tem rendimento garantido nessas parcerias, nessas convenções. Quanto maiores as listas de espera no SNS, maior a oportunidade de negócio para os privados. A solução é separar os dois sectores, dotando o SNS dos recursos que necessita para se tornar independente, nomeadamente recursos humanos.
3-Apesar das críticas e das dificuldades do SNS, a situação que descreve quando compara Portugal com os EUA surpreende: a situação das pessoas é muito melhor no nosso país. A que se deve isso?
R-Ao facto de termos um serviço público, ao contrário do que acontece nos EUA. Apesar de todas as dificuldades, em Portugal há um dever de providenciar cuidados de saúde a todos de forma igualitária. Isso ficou bem patente durante a pandemia da Covid-19. Enquanto uns privados fechavam portas perante a emergência, outros corriam a pedir ao Estado que financiasse as suas perdas. Durante largos meses as pessoas infetadas com o vírus eram transferidas dos privados para o público, as grávidas não eram sequer atendidas no privado e as seguradoras recusavam-se a cobrir os custos relacionados com as infeções. Foi o SNS que nos salvou da pandemia: nunca fechou portas, reorganizou-se, inventou soluções novas, os seus profissionais trabalharam tanto quanto foi necessário. Isto só é possível com um serviço público. O privado, quando não vê perspectivas de lucro, simplesmente afasta-se. É a natureza do ser público e do ser privado. Tendo isto clarificado, todas as decisões políticas devem partir daqui para serem eficazes.
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Bruno Maia
O Negócio da Saúde. Como a Medicina Privada Cresceu Graças ao SNS
Bertrand 16,60€