Booktube: Alice no Universo da Tecnologia

Qual o papel dos booktubers e dos canais de Youtube relacionados com literatura na formação de novos leitores?
Que alterações podem ocorrer no mercado editorial em Portugal?
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Basta abrir a página inicial do YouTube para sermos bombardeados com todo o tipo de conteúdos, desde entretenimento vazio a verdadeiras obras de arte audiovisuais. Muitas vezes, à primeira vista, somos confrontados apenas com vídeos infantis, violentos ou que apelam ao ódio.

Neste contexto, surgiu, em 2012, a comunidade portuguesa de youtubers dedicados à literatura, inspirados pelos canais de YouTube americanos e brasileiros do mesmo tema. Estes ocupam-se a incentivar a leitura, através de apreciações críticas e da promoção de discussões em torno de livros de todos os géneros. Além disso, ocupam um posição determinante na divulgação de lançamentos de editoras. Ao longos dos últimos anos, têm também organizado diversos eventos de convívio com subscritores e autores, estreitanto laços entre quem é apaixonado pelo mundo literário.

Roberta Frontini acompanha o booktube há 4 anos e é a organizadora do “Xadrez Literário”, evento anual online que premeia o participante que ler o maior número de páginas num mês. Esta ávida leitora confessa: “Foi através do booktube que descobri o awesomebooks, uma plataforma de venda de livros em 2ª mão. Desde aí que compro imensos livros online“. As compras online e os ebooks (livros digitais) são cada vez mais comuns e promovidos pelas novas editoras que oferecem descontos significativos, tendo o depoimento de Roberta Frontini sido repetido pela amiga Jéssica Nabais, que conheceu através desta comunidade.

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

De acordo com a Growth from Knowledge Portugal, estas formas tecnológicas de aquisição de livros revelaram-se essenciais para o crescimento de 3% registado no mercado livreiro português, em 2017. Este crescimento aparentemente insignificante veio quebrar a tendência de queda que se vinha a verificar na última década. Assim, torna-se necessário refletir sobre o papel das novas tecnologias da informação e comunicação na formação de jovens leitores, sendo que estes passam a maior parte do dia conectados às redes sociais.

Desde que criei o canal que comecei a ter contacto com mais livros e com mais opiniões de livros e isso fez com que também quisesse ler os livros que outros booktubers falam. Para além que, a vontade de criar novos vídeos leva a que eu tenha a vontade de ler mais“, declarou Christiana Lameiro, cujo canal é o mais antigo e visualizado do booktube português. Os seus vídeos delicadamente editados e produzidos motivam qualquer espectador a apaixonar-se pelas histórias de amor que indica e a ter uma vontade inexplicável de começar a sua biblioteca particular. Já o canal Aprendiz de Leitor de Hugo Cunha trata de livros clássicos e temas mais sérios. Apesar disso, sente que influencia os hábitos de consumo do seu público e que, desde que começou a produzir estes vídeos, as suas compras de livros “aumentaram exponencialmente”.  No entanto, não são só as compras que multiplicam o número de livros na estante. Cada vez mais editoras como a Leya e a Porto Editora investem neste tipo de divulgação nas redes sociais. Para Christiana Lameiro isto é benéfico para todo o mercado, pois “qualquer publicidade a um livro, em Portugal, leva a um ligeiro aumento de vendas”.

GRANDES PARCERIAS

Segundo a equipa de marketing da Porto Editora, estas parcerias não obedecem a regras formais ou legais específicas e têm como finalidade “travar a quebra constante de leitores que se regista ano após anos”. Por norma, a editora envia alguns livros solicitados pelo youtuber de acordo com a temática do canal e este tem de lhes dedicar um vídeo/divulgação nas redes sociais num espaço de tempo razoável. “Para as editoras é simples, publicidade gratuita. Para os booktubers, uma forma de adquirirem mais livros, que contribui para o dinamismo e diversificação do conteúdo do canal”, salientou o Aprendiz de Leitor. Por sua vez, Christiana Lameiro acredita que “a maior vantagem é a possibilidade de poder falar de novidades literárias de uma forma mais rápida. Receber de forma mensal as novidades literárias e poder transmitir essa informação aos nossos seguidores, quer através dos nossos vídeos ou posts, ou até das nossas redes sociais. E claro, poder estabelecer um contacto mais directo com as empresas que editam e distribuem os livros é maravilhoso e torna-nos mais próximos dos livros“.

Deste modo, embora não sejam bem vistas por toda a comunidade, a maioria dos subscritores encara muito positivamente estas parcerias. Roberta Frontini defende ainda que: “Nem todas editoras compreendem o peso que os booktubers têm. De tanto vermos booktubers a falar, e com o passar do tempo, também vamos percebendo quem está a ser sincero ou quem estará a dizer bem de um livro só para cair nas boas graças de uma editora”.

Por fim, Hugo e Christiana deixam, respetivamente, algumas recomendações para as editoras, sugerindo que estas “só precisam de copiar os modelos que já existem lá fora” e que “poderiam também criar clubes de leitura, onde os booktubers pudessem ler o mesmo livro e de uma forma dinâmica discutissem e promovessem a leitura do livro através de vídeos conjuntos”.