Bolaño: Um tom de tristeza de doença, abandono ou morte
CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha
Um livro de contos com o estilo típico do autor, onde histórias e personagens se tocam indelevelmente, quase sem o saberem ou suspeitarem, numa teia de mestre que tudo domina com um tom de tristeza de doença, abandono ou morte.
Dois polícias com medo dos mortos (detectives – serão os outros?) e do passado, um homem que ama uma mulher que já viu tudo, outra mulher desamparada que sonha com ratos e desaparece aos quarenta anos, uma atriz porno numa clínica de Nimes. Mulheres, muitas mulheres.
Mas também as histórias delas, como se isso interessasse alguém: “o mundo da literatura é terrível, além de ridículo.” E os homens que escrevem desesperadamente “um poeta consegue suportar tudo.”
O amor platónico, o amor à distância e também aquele desesperado que não o é bem porque não passa de autocomiseração “mas está apaixonado por X ou está apaixonado pela ideia de estar apaixonado?” E a consciência, essa maldita, que não nos deixa viver sem o olhar dos mortos: “os mortos são uma merda. – São uma merda porquê? – A única coisa que fazem é lixar a paciência aos vivos.”
Enquanto isso, alguns brindes de pura genialidade do autor com a escrita ao ritmo do pensamento ou ao contrário, mas sempre rápido para fugir à morte e não ser ele próprio a consciência de outros: “E eu senti dentro de mim um músculo ou um nervo, juro-te que não sei, que me dizia: sorri, parvalhão, sorri, mas por mais que o músculo se tenha movido eu não consegui sorrir, no máximo tive um tique, um esticão entre o olho e a face, de qualquer modo ele notou e ficou a olhar pra mim e eu passei uma mão pela cara e engoli saliva porque tinha medo outra vez.”
Bolaño é um anarquista face às ideias pré-concebidas da vida e a sua única arma, ou melhor, a sua única acção de combate é a escrita, contra tudo e contra todos e por vezes contra si mesmo, “Tony nunca se zangava, nunca discutia, como se considerasse absolutamente inútil tentar que outra pessoa partilhasse o seu ponto de vista, como se acreditasse que todas as pessoas estavam extraviadas e que era pretensioso que um extraviado indicasse a outro extraviado a maneira de encontrar o caminho. Um caminho que não só ninguém conhecia como provavelmente nem sequer existia.” E assim, conto a conto, chegámos ao mundo desesperado do autor, em que é impossível dissociar ideias e personagens entre contos, pois está tudo ligado, como na própria vida. “Durante alguns minutos (que me pareceram excessivamente longos e que depois, pensando em todo aquele assunto, me apercebi que efectivamente foram).”
E afinal não foram.
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Roberto Bolaño
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