Bohumil Hrabal: O livro é tão bom que parece mentira

CRÓNICA
|Rui Miguel Rocha

Começo a ler e penso logo no raio do homem que escreve tão bem que apetece ir ao que já escrevi e rasgar tudo e tentar novamente amanhã quando já me tiver esquecido dele. Uma escrita que me liberte como a que Hrabal faz aos checoslovacos, libertando-os dos nazis por actos tão simples como estampar carimbos em língua alemã no belo traseiro da telegrafista. Percebo agora que para rasgar o que escrevi tenho de imprimir primeiro tudo em papel e desisto da ideia. Tenho até um personagem chamado Bohumil Hrabal que não é para aqui chamado. Para aqui chamados são os comboios rigorosamente vigiados (CRV) que passam pela pequena estação deserta onde está parado o contraponto aos CRV, que é, nada mais nada menos, que a carruagem metralhada e, talvez também, as belas nádegas carimbadas da telegrafista. Nesse conto não acabado Hrabal encontra um sul americano ou não estivesse a ler Bolaño e agora vejo que ambos combatem a guerra do Homem com tudo o que o rodeia. E aqui o H maiúsculo é mesmo quase só para o sexo masculino e teremos sempre de excluir as mulheres que constroem a vida dentro de si, excepto algumas, claro está.
A guerra a passar por uma pequena estação de província na Checoslováquia onde umas nádegas são carimbadas, mesmo antes de um acto louco de amor (não o são todos?) partir o canapé do gabinete do furioso chefe da estação e dos seus pombos em equilíbrio instável. A guerra a passar e todos com o seu papel de fingirem nada acontecer porque o que acontece é demasiado mau para os que o vivem. Para lá, para a frente, vão os CRV, para cá, para trás passam os comboios-hospital com os feridos a olhar o mundo como se fosse o paraíso e com os mortos empilhados atrás, no último vagão, abandonados ao peso dos seus corpos tão pesados, já sem a leveza da vida. Ainda temos tempo para lições de ayaculatio precocs com a mulher em menopausa do chefe da estação, enquanto lá fora vai passando o comboio a destruir e ainda uma das razões para se cortar os pulsos. Tudo num parágrafo.
O livro é tão bom que parece mentira e, apesar de todos os livros serem uma mentira à sua maneira, são também verdade, mas este é mais.
O melhor dos últimos tempos.
__________
Bohumil Hrabal
Comboios Rigorosamente Vigiados
Antígona  15€

COMPRAR O LIVRO