Barnes pela primeira vez
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
É a primeira vez que leio Barnes. Vou repetir. Um total domínio da narração e dos nossos sentimentos. Um livro que começa em exaltação e acaba em desencanto. A primeira parte na juventude e a segunda num declínio subitamente abanado.
Memórias perdidas e outras encontradas “o que acabamos por recordar nem sempre é igual ao que presenciámos.” Mas ainda assim a adolescência na fase mais lúdica do livro em que “o desporto escolar” é “um plano fascista para…reprimir o impulso sexual.” Miúdos que se julgam intelectuais com frases demasiado construídas “Sim, claro que éramos pretensiosos – para que mais serve a juventude?” ou “o primeiro dever da imaginação era ser transgressora.” Mas também os pais, as preocupações deles, o que imaginam que os filhos possam fazer de mal, sendo que (tal como nós como pais e filhos) “a ansiedade deles excedia de longe a nossa experiência.”
A escola com as várias definições de História, essa que não se abarca, nem se deixa seduzir. E, claro, “engatar” raparigas “eu que nunca o aprendi nem entendi e se calhar ainda hoje não entendo.”
O suicídio na juventude, as causas impossíveis e as cuidadosamente orquestradas “quando alguém é muito inteligente, acho que há algo que pode transtorná-lo, se se descuidar.”
E a segunda parte, onde se descobre “que o tempo não atua como fixador, e sim como dissolvente.” O tempo em que “algumas das sardas que eu amei são agora manchas acastanhadas.” O desencanto da vida comum, sem riscos ou suicídios, a vida que os nossos pais quiseram para nós e nos inculcaram na cabeça, “sem êxtase ou desespero.”
E o pior: “outro dos nossos medos: que a Vida não se revelasse igual à Literatura.”
Ai de nós!
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Julian Barnes
O Sentido do Fim
Quetzal 16€