Barnes: “Levar a vida a sério será magnífico ou estúpido?”
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
Estou muito contente por ter lido este livro. Mesmo depois de ter passado por partes difíceis, às quais não dei a mínima importância, como em todos os livros, uns mais do que outros.
O papagaio representa o que não sabemos do génio, o que é muito. Assim com as estátuas do mesmo, possivelmente transformadas pelos nazis “em insígnias de bonés”. Será o papagaio empalhado uma relíquia? E como Eça, questionar: “O que é que nos torna ávidos de relíquias?” Como a empregada de Robert Louis Stevenson que vendeu cabelo do mesmo “que chegava para estofar um sofá.”
Adiante, que a vida continua para quem não morre: “‘A vida! A vida! Ter ereções!’ Li outro dia esta exclamação de Flaubert. Fez-me sentir como uma estátua de pedra com um remendo entre pernas.”
Mas “ será que alguma altura certa para morrer?”
Este é um livro à procura de um mistério que não existe, um livro sob muitos pontos de vista, centrados no autor que se centra em Flaubert: “pode definir-se uma rede de duas maneiras, dependendo do ponto de vista. De um modo geral, diz-se que é um instrumento com buracos destinados a apanhar peixe. Mas podemos, sem agredir muito a lógica, inverter a imagem e definir uma rede como o fez uma vez um lexicógrafo brincalhão: um conjunto de buracos ligados por um fio.”
Mas a vida sempre, em todos os seus altos e baixos com mais uma citação do autor de Ema: “o que eu preciso é de continuidade, quer no descanso quer no movimento.”
E nisto tudo de vida ou papagaio “Não se sabe o que aconteceu à verdade.”
E sobre a guerra, disse Flaubert: “Seja o que for que aconteça, continuaremos estúpidos.”
Ficamos também a conhecer August Pinard, o advogado que conduziu um processo contra duas obras primas: Bovary e Les Fleurs du Mal.
Mas do livro também temos o que sempre reparámos e nunca descrevemos, a boa literatura a favor dos coveiros: “os brutamontes são necessários nos funerais.”
Obrigatório ler todo o capítulo sobre os olhos de Bovary.
Saber que “as coisas horríveis também são vulgares.” Saber que, como todos nós, Flaubert “sonhava com o Egito quando estava na Normandia e com a Normandia quando estava no Egito”.
Workshop de escrita: “os primeiros pensamentos são muitas vezes os melhores, alegremente reabilitados pelos terceiros pensamentos depois de humilhados pelos segundos.” E também que se deve “mergulhar na vida como no mar, mas só até ao umbigo.” E, mais importante: “o cabelo só brilhava depois de ter sido muito escovado e que o mesmo se podia dizer do estilo.”
Estando parado vejo que “a velocidade” parece “sempre exagerada àqueles que estão parados”, como verdade universal não chega, pois “os que perdoam e são excessivamente indulgentes” são “mais irritantes do que pensam.”
Lições de vida para quem precisa, mas quem não precisa? “Algumas pessoas, quando envelhecem, parecem ficar mais convencidas de sua própria importância. Outras ficam menos convencidas.”
No fim de tudo “levar a vida a sério será magnífico ou estúpido?”
Espero que não tenhamos de escolher.
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Julian Barnes
O Papagaio de Flaubert
Quetzal 16,60€