As virgens de Hitler

O estudo do nazismo, centralizado em Hitler, torna-se um tanto mais claro quando a investigação e análise se alargam à sua corte de apoiantes e admiradores, tornando-se, então, quase impossível não dar lugar de relevo ao peso das mulheres no estabelecimento e crescimento do regime.
Desde logo, muito cedo, quando Hitler começa a ter intervenção pública, nomeadamente com a escrita e publicação do “Mein Kampf” (“A minha luta”), os protagonistas das altas finança e indústria alemãs (e as suas mulheres, mas não só, porque de todas as classes elas se manifestaram no aplauso ao futuro führer) estão ao seu lado. Com tudo, e também dinheiro, e até géneros para o conforto pessoal e para manter o partido nazi.
O papel das mulheres vai muito além disso. Elas fazem parte da estratégia ideológica do regime, e como tal são solicitadas a constituir uma retaguarda que permita ao III Reich lançar-se ao ataque e perseguir o objectivo de dominação. Não consta que se tenham rebelado. A larga vitória eleitoral de Hitler em 1933 dá até uma ideia bem contrária.
As que estavam no reduto dos dirigentes, Hitler incluído, e centro da contradição maior, tinham tarefas diferenciadas. A mulher de Goebbels, por exemplo, foi servida publicamente, pelo propagandista seu marido, como exemplo para todas as alemãs. O seu lugar no regime levou a que ela fosse apresentada publicamente na condição de «primeira-dama». É certo que o marido era o responsável máximo pela propaganda, e, ironicamente, acabou por colocar a parceira à disposição do ditador.
O que terá acontecido entre Hitler e Magda Goebbels? Há quem deixe suspeitas sobre a extensão do relacionamento, mas clarificado está que ela era uma fanática, e que ele não hesitou em determinar o seu casamento com Goebbels. Da parte dela, não terão restado dúvidas, aceitou esta missão com o objectivo prático de ficar próxima dele. E ficou. Mas atente-se num pormenor: na horas de suicidar-se, Hitler depositou, num ambiente emocionado, nas suas mãos, a mais alta insígnia, a de ouro, do partido nazi.
Ela aceitou-a, como já tinha convivido com a impossibilidade declarada por Hitler de se casar. Mas tinha conhecimento, claro, de que em Munique uma tal Eva Braun se contorcia para consagrar pelo matrimónio a sua longa ligação ao führer. E certamente conhecia a longa história dos relacionamentos amorosos do ditador, que nunca levou à consequência por ele defendida para a mulher alemã – e seus parceiros, necessariamente.
É que Hitler teorizou o papel da mulher na sociedade que idealizou: “Vocês não têm saudades do escritório e do Parlamento. Um lar cuidado, um marido amoroso e um rol de filhos felizes, tudo isto tem muito mais a ver com o vosso coração”. A autora desta obra salienta que, contudo, muito “poucas esposas, companheiras e amantes dos partidários do nacional-socialismo corresponderam a um ideal ‘tão elevado’”.
Aí está: Hitler compôs o seu ramalhete de conquistas, uma sobrinha chegou mesmo ao suicídio, mas nunca se deixou levar a dar o nó. Pela sua parte sempre se refugiou na desculpa de que tinha casado… com a Alemanha. Outros de triste memória lhe seguiram o método.
De qualquer modo, e para terminar, o casamento tinha nas suas elucubrações um papel muito circunscrito: “Uma instituição de maternidade”. Mas ele não era esquisito, perante a necessidade de a Alemanha ter homens para a guerra: “Infelizmente, temos mãos dois milhões de mulheres do que homens.” E por isso ele propugnava que “todas as raparigas casem mas, antes que uma virgem desanime, será melhor que mesmo solteira tenha um filho”.
Mesmo com este toque de libertinagem, não foi lá. À paternidade, entenda-se.
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Anna Maria Sigmund
As mulheres dos nazis
A Esfera dos Livros, 25€