As histórias de Zafón e da sua cidade
CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha
O primeiro que leio desde a sua morte. Contos no ambiente do seu mundo, a Barcelona do passado com fuligem, penumbra e vapor. Um cortejo de almas perdidas, diabos e faustos, gárgulas, ruas malditas e bibliotecas secretas.
Um retratista de mortos, “retratista de trevas”, numa casa cheia de mentira “os grandes mentirosos que primeiro mentem a si mesmos e são incapazes de reconhecer a verdade mesmo que ela os apunhale no coração” e traição “não atraiçoamos os que nos querem destruir e sim os que nos oferecem a mão.”
Um “fazedor de labirintos” vindo de Constantinopla para encobrir uma biblioteca, munido de “uma gota de sangue do último dragão.”
Cervantes também ele personagem, também ele Fausto, o homem a quem corria “nas veias o vinho da narrativa” e que nos garante que “a comédia ensina-nos que não se deve levar a vida a sério e a tragédia ensina-nos o que acontece quando não fazemos caso do que nos ensina a comédia.”
Assassinos que assassinam assassinos, porque “matar era uma necessidade, mas assassinar era uma arte.”
Gaudi em Manhattan, também tentado pelo diabo, mas recusando-se a ser também ele Fausto: “um iluminado que desprezava o dinheiro (o mais imperdoável dos seus crimes).”
Uma ruiva que diz “já reparaste que quanto mais inteligentes são os telemóveis mais estúpidas se tornam as pessoas?”
Mulheres que tinham “beijar de tango”, mulheres mais ou menos fatais e um conselho: “Nunca te apaixones por uma coisa que não tenha preço.”
Vou ter saudades de Zafón. Mas posso sempre recorrer aos livros. Esses não morrem nem se esgotam em si mesmos. Pelo contrário, têm sempre algo de novo, guardado nas páginas, como se tivesse sido escrito só para nós.
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Carlos Ruiz Zafón
A Cidade de Vapor (Todos os Contos)
Editorial Planeta 18,50€