A arte de passear
O intenso ritmo do nosso quotidiano e o sedentarismo da vida moderna aconselham momentos de pausa activa, o que pode passar por algo tão simples como passear. Este é um tema recorrente na actualidade e muitos são os especialistas que insistentemente nos recomendam o exercício físico em nome da nossa saúde – o que, quem sabe, não virá a ser regulamentado por decreto…
Talvez por isso seja tão estimulante um pequeno livro editado recentemente sobre “A Arte de Passear”, cujo objectivo nada tem a ver com o combate à obesidade da população – mas com a elevação do passeio ao estatuto de exercício estético.
Sobre o autor, Karl Gottlob Schelle, pouco se sabe. Como recorda uma nota do editor, nasceu em Altweilen em 1777, foi professor de línguas em Halle e preceptor em Leipzig. Reformou-se muito cedo, por doença, e entre 1797 e 1807 escreveu várias obras de filologia, compilou as obras poéticas de Horácio e dedicou-se ao estudo da literatura francesa.
Schelle inscreve-se na corrente a que se convencionou chamar filosofia popular, de que fez parte também Christian Garve. Defendiam ser fundamental reconciliar a filosofia e o quotidiano, arrancá-la às universidades e aos livros e trazê-la para a rua.
«A filosofia não pode conservar a sua influência, a sua força de convicção geral, a menos que ela se aplique aos objectos da vida e do mundo», escreve Schelle em “A Arte de Passear” que, como adverte o editor, não se destinava ao povo mas à elite da sociedade, já não a nobreza mas «uma humanidade refinada, impregnada pelo espírito das Luzes”, a quem o autor aconselha o passeio não apenas como actividade física mas também intelectual, «motivo pelo qual para verdadeiramente se apreciar o passeio é necessário ter-se alguma cultura que permita elevar o espírito e a mente, sem fadiga, promovendo a ligação entre o homem e a natureza».
«A natureza e o género humano, a primeira com a variedade das suas paisagens, o segundo sob o seu aspecto mais alegre, são ao mesmo tempo a decoração e os objectos do passeio. De facto: poderá haver para o indivíduo algo mais importante do que a natureza e o género humano?», escrevia Schelle há cerca de dois séculos.
Com o devido distanciamento que o tempo impõe, não deixemos, contudo, de reflectir sobre algumas das suas considerações, que continuam deveras actuais. Como esta: «É incontestável que os locais públicos de passeio de uma cidade podem ser considerados como fazendo parte das necessidades essenciais da vida social. Se não se der atenção a este aspecto indispensável ao prazer em geral nas cidades relativamente grandes e desafogadas, a civilização terá realmente feito muito pouco progresso. (…) Quando há falta de parques onde seja possível distrairmo-nos muito facilmente vendo apenas os outros vaguear, é a necessidade mais indispensável de uma cidade culta que está por satisfazer.»
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Karl Gottlob Schelle
A Arte de Passear
Publicações Europa-América, 12,90€