António Cabrita tem uma força poética intensa

CRÓNICA
| agostinho sousa

Tenho alguma dificuldade em escrever sobre as leituras de Poesia, porque, como menciona António Ramos Rosa em «Poesia, Liberdade, Livre» ela: “é sempre mais do que diz, diz outra coisa, mesmo quando diz as mesmas coisas que o resto dos homens e da comunidade”. Possui esse potencial que permite que cada leitor a leia, reflita, questione e interprete à sua maneira.
Faço-o agora porque este livro tem uma força poética tão intensa, uma diversidade e uma riqueza vivencial (com destaque para a presença do autor em Moçambique, como refere no prefácio: “cheguei a África aos quarenta e cinco anos, por amor, e num acesso romântico. Deste estou curado, do amor não.”), adaptando Mitologia e História a uma refinada Ironia (do dia-a-dia), num denso caldo que permite alargar horizontes e que me obrigam a um testemunho. Para tal, permitam socorrer-me da opinião de Valter Hugo Mãe, extraída da badana do livro:

«A eloquência de António Cabrita faz-se de uma constante impertinência. É rotunda a perturbação que certa coloquialidade bruta, não polida, acarreta ao luxo do pensamento, à extensão vocabular e ao inesperado da imaginação. Caracterizado por uma brilhante, cada vez mais isolada, sofisticação e riqueza de referências e imagética, há também algo ostensivamente mundano no modo de cabrita que ironiza a tentação erudita e reclama uma fascinante coisa de rua, boémia, informal, de contracultura, combatendo sempre o mais confiável ou expectável, o papel do comportado ou perfeitamente definido.»

Trata-se de uma escrita surreal, ao mesmo tempo, erudita e informal, em que o imaginário e o real se misturam, mestiçagem de combustão verbal, mas onde a Liberdade está sempre presente contra o Status Quo, como num dos seus desconcertantes curtos poemas:

Passas-me o fiambre? Hum, volta a reler:

                  ‘Alguma vez conseguiremos descobrir a história de um povo

                  que não esteja manchada de cisnes?’

                  É um trocadilho curioso prossegue

                  mas será ético em relação à memória dos cisnes?

                  Passas-me o sumo?

                  É todo teu, Andromáca.

A leitura deste livro foi uma agradável surpresa que voltará a repetir-se nos sublinhados que nele depositei, porque a vida tonifica-se com estes complementos ou, como refere o poeta no prefácio: “Já antes me interrogava se a vida – que o amor, a arte, os bares ou a biblioteca tornam mais leve – é cisco que incomode a morte. Não é. Resta batermo-nos pela sua dignidade, por uma palavra que testemunhe.”                                                                                      

Eis o meu humilde testemunho, muito grato pela sua leitura e pela permanência destacada que terá na minha biblioteca.
Espinho, 13/05/2023
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António Cabrita
Tristia [um díptico e meio]
Porto Editora  19,99€

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