Andreia Valente: “Uma jornalista vai sempre arranjar maneira de contar uma história”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu romance «Depois de Chernobyl»?
R-A empresa Actemium/Cegelec para a qual o meu marido, Nuno Nogueira, trabalha desde 2007 como engenheiro eletrotécnico, ganhou em 2015 o concurso para o fornecimento do Radiation Monitoring System (RMS) – sistema de monitorização da radiação do New Safe Confinement (NSC) da central nuclear de Chernobyl e do Integrated Control System (ICS) – sistema integrado de controlo do NSC, que recebe dados de todos os equipamentos (ventilação, medição de radiação, sensores de pressão e temperatura, bombas, produção de água quente, etc.) e os integra numa única plataforma acessível aos operadores, e que faz ainda o controlo automático dos vários sub-sistemas. Ele foi pela primeira vez à Ucrânia em 2015 para o arranque do projeto, e voltou lá em 2018 para a colocação em serviço, ficando durante um ano e meio, entre idas e vindas a Portugal. Durante esse período eu fui quatro vezes à Ucrânia e tive oportunidade de visitar duas vezes a zona de exclusão de Chernobyl e entrar no New Safe Confinement. Logo na primeira ida à Ucrânia, numa viagem de comboio de regresso da central nuclear para a cidade de Slavutych, aquela que foi construída em apenas dois anos para alojar os habitantes evacuados de Pripyat, após o acidente nuclear, surgiu a ideia de escrever um livro de ficção, inspirado nos cenários que eu já tinha visto até então e nas histórias das pessoas que tinham passado pelo acidente e com quem eu tinha falado. Nas três vezes seguintes em que fui à Ucrânia já fui na pele de escritora e à procura de acrescentar coisas ao livro que estava a escrever.

2-Apesar de ser uma obra de ficção, este livro é também influenciado pelo seu olhar de jornalista?
R-Costumo dizer que uma jornalista vai sempre arranjar maneira de contar uma história. No meu caso, é a primeira vez que conto uma história que não é apenas factual, mas que também tem muitos acontecimentos reais. Enquanto jornalista foi-me impossível estar em Chernobyl, falar com pessoas com vivências únicas e inspiradoras, e não fazer alguma coisa com esse material. Mas, não é um caso de autoficção, porque quem o narra é a protagonista da história. Chama-se Sofia, e embora se movimente nos mesmos cenários que eu visitei na Ucrânia, ela tem uma personalidade própria, que nada tem a ver comigo. Nenhuma das personagens de ‘Depois de Chernobyl’ é real. Mas, os cenários em que todas as ações acontecem são reais. Desde a casa de Slavutych, passando pelos balneários da central nuclear de Chernobyl, o Novo Arco, a cidade-fantasma de Pripyat, as cidades de Chernihiv, Kiev e Lviv, tudo isso é fiel à realidade. Assim como os factos. Toda a informação que está no livro sobre o acidente nuclear foi pesquisada, investigada e verificada.

3-Mais de 30 anos depois, podemos afirmar que a tragédia de Chernobyl já está ultrapassada ou são ainda muitos os factos por explicar?
R-Quanto mais pesquisei e investiguei sobre o assunto, mais percebi que se sabe muito sobre o que aconteceu, mas se sabe muito pouco do porquê de ter acontecido. É possível explicar minuto a minuto o que aconteceu desde a hora fatídica (1h23m da madrugada de 26 de abril de 1986), mas o que originou o acidente tem muitas pontas soltas e há muitas histórias paralelas à investigação oficial, que são contadas pela população. E na verdade, foram essas as histórias que mais me interessaram durante a escrita do ‘Depois de Chernobyl’. A tragédia de Chernobyl continua muito presente na Ucrânia e assim vai continuar. Os 30 km à volta do local da explosão continuam radioativos e não é permitido viver na zona de exclusão. E a invasão da Ucrânia voltou a trazer à tona a insegurança, uma vez que a central nuclear esteve ocupada pelas tropas russas durante algum tempo. Os operadores foram feitos reféns e obrigados a trabalhar ininterruptamente durante dias a fio, fazendo com que a tomada de decisões pudesse ser afetada pelo cansaço. Felizmente nada de grave aconteceu. Mas as tropas russas destruíram todo o arquivo fotográfico da central nuclear. Um dano irreparável.
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Andreia Valente
Depois de Chernobyl
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