Andreia Barbosa: “Olhar para o fenómeno do lixo de forma aberta e curiosa”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro O Lixo em Portugal?
R-Em 2016 juntei-me a um pequeno grupo de pessoas que estava em processo de criar a associação Circular Economy Portugal. Desde então que o tema do lixo faz parte do meu dia-a-dia. O trabalho da nossa organização promove a ideia de que o resíduo é evitável e deve ser evitado. Numa economia bem desenhada não existe lixo, apenas recursos, que podem sempre voltar a ser utilizados para “gerar valor”.
À medida que fomos implementando projetos, e após um mestrado em Ecologia Humana em que estudei as práticas de reutilização em Portugal, o meu entendimento do lixo alargou-se e transformou-se. Um dos temas que me fascinou foi o dos catadores de lixo na América Latina, a descoberta dos movimentos cooperativistas e ativistas que emergiram a partir dessa estratégia de sobrevivência que é a catação de materiais no lixo. A postura prescritiva da supressão do lixo começou a parecer-me ingénua e redutora. O lixo é um fenómeno tão profundamente social, diverso e omnipresente que achei importante contrabalançar o ambientalismo superficial do “morte ao lixo!” com uma antropologia do lixo, menos limpa e mais humana.
O projeto do livro vem desse desejo – o de olhar para o fenómeno do lixo de forma aberta e curiosa, evitando a tradicional postura de indignação ou denúncia perante os impactos ambientais já amplamente conhecidos da nossa produção excessiva de resíduos. Parto da ideia de que o lixo está connosco para ficar, de que somos uma sociedade do lixo – e que em vez de o remeter para longe da vista ou profetizar o seu desaparecimento, devemos conhecê-lo, apropriarmo-lo. Essa será uma atitude mais saudável e útil.
O António Araújo da Fundação Francisco Manuel do Santos recebeu positivamente esta ideia e deu-me o bom conselho de pegar no assunto também pelo lado técnico, explorando as tecnologias, processos e sistemas de gestão.

2-Neste domínio, a situação no nosso país é muito diferente da de outros países europeus?
R-Em termos de quantidade de resíduos domésticos produzidos, Portugal, com os seus 512 quilos por habitante em 2020, está no meio da tabela. A Dinamarca produziu 845 quilos por habitante nesse ano, e costuma liderar as estatísticas, seguida pelo Luxemburgo. Onde há riqueza há consumo, e onde há consumo há lixo. Estes países reciclam mais, em percentagem, do que Portugal, mas recorrem também muito mais à incineração.
O nosso maior desafio em matéria de lixo é o da recolha seletiva de resíduos orgânicos, área em que o nosso desempenho é manifestamente fraco. Até final deste ano o país deve dotar-se de infraestruturas e processos que permitam assegurar essa recolha e tratamento a nível nacional. Isto constitui uma oportunidade muito interessante para melhorar o nosso desempenho a nível de reciclagem, mas também para criar dinâmicas de coesão territorial e sinergias com a atividade agrícola. No livro mostro como podemos ir buscar inspiração à Áustria, que já leva mais de 20 anos de experiência com este fluxo.

3-A nossa relação com o imenso lixo que produzimos (e nem sempre separamos) é essencialmente dominada pela nossa visão ainda pouco preocupada com as consequências das nossas acções?
R-Habituámo-nos a que o lixo desaparecesse. Investimos tudo em processos que, quando funcionam bem, levam embora o lixo sem deixar rasto. Este paradigma facilita o alheamento. Ninguém gosta de ver lixo no chão e ecopontos a abarrotar, mas nessas disfuncionalidades do civismo e da higiene urbana podemos entrever um pouco do “homo detritus” que somos. Levaremos o lixo mais a sério quando lhe dermos espaço nos lugares que habitamos. No capítulo final do livro reúno algumas ideias sobre como fazer isso.
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Andreia Barbosa
O Lixo em Portugal
Fundação Francisco Manuel dos Santos  5,00€

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