André Belo: “Crescemos a ouvir falar de uma manhã de nevoeiro”
1-Qual a ideia que esteve na origem deste seu livro «Morte e Ficção do Rei Dom Sebastião»?
R- Antes da ideia houve a surpresa de perceber que a morte do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir (ou dos Três Reis) era uma história que afinal não tinha ao seu redor o mistério que eu pensava que tinha. Não só eu pensava assim: quase toda a gente com quem eu falava sobre o assunto achava que havia um enigma em torno da morte do rei. Depois é que veio a ideia: tentar explicar a razão desta não transmissão na memória coletiva de uma morte que afinal foi claramente atestada na época. E com essa razão — que no fim de contas é o sebastianismo — veio enfim a vontade de contar a história do falso D. Sebastião que se manifestou em Veneza, pois é esse o contexto que permite perceber a consolidação da tradição textual sebastianista.
2-Do seu ponto de vista, onde reside o nosso contínuo interesse em torno da figura (e do regresso) de D. Sebastião?
R- Mais do que pela figura histórica de D. Sebastião (que é e sempre foi matéria para especialistas), esse interesse coletivo vai para a apropriação mítica que foi feita da figura, isto é, mais uma vez, para o sebastianismo. E penso que isso tem a ver com o facto de o sebastianismo fazer parte da identidade portuguesa, isto é, de uma narrativa partilhada, que chegou até aos nossos dias. Hoje, o D. Sebastião desta narrativa é um pouco, sem desprimor para o mito, como o protagonista duma história para crianças. Crescemos a ouvir falar de uma manhã de nevoeiro em que haveria de aparecer um rei. Por que razão é que ele haveria de aparecer é que talvez já não saibamos hoje muito bem… Mas, até há algumas décadas, o sebastianismo tinha uma utilidade ideológica e fazia parte duma reflexão sobre o país e sobre os portugueses. São os ecos disso, penso eu, que estão por trás do nosso interesse ainda hoje.
3-O que sabemos (ficção e/ou realidade) sobre o falso D. Sebastião que apareceu em Veneza em 1598?
R-O que sabemos nós todos não sei! Posso dizer o que eu sei: que era um calabrês chamado Marco Tullio Catizone, que vinha de uma aldeia chamada Magisano, não longe de Catanzaro, que nunca tinha ido a Portugal na vida nem aprendido português, mas que ouviu falar dos rumores que circulavam sobre a sobrevivência de D. Sebastião e que, por razões que são impossíveis de conhecer na sua totalidade, decidiu encarnar o personagem do rei. O resto que sei — e tentei explicar e contar o melhor que pude — está lá no livro…
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André Belo
Morte e Ficção do rei Dom Sebastião
Tinta-da-China 20,90€