Anabela Almeida/António José de Almeida: “O cérebro é um Deus no sentido em que é o grande maestro”

P-Qual a ideia que esteve na origem deste livro Deus Cérebro?
R-O livro nasceu porque a Rita Fazenda, editora da Leya, viu a série documental Deus Cérebro que produzimos para a RTP1 e achou que seria interessante transformá-la em livro, num registo que permite descodificar a ciência e assuntos que à partida são complexos, tornando-os acessíveis ao grande público. A ideia do documentário partiu, por um lado, de uma frase do Michio Kaku em que ele diz que os dois maiores mistérios são a mente e o universo, e por outro da tomada de consciência de que se tinha descoberto mais sobre o cérebro humano nas últimas duas décadas do que em toda a história da humanidade. A partir daqui tivemos vontade de entrevistar os investigadores que fizeram estas descobertas, são nossos contemporâneos, podemos ouvi-los na primeira pessoa e isso seria fascinante para um documentário.  O diretor da RTP1, José Fragoso, concordou. E assim foi.

P-Como se processou a transição da linguagem do documentário televisivo para a escrita do livro: o que se ganhou e o que se perdeu?
R-Perdeu-se o poder da imagem e da estética do documentário. Ganhou-se alguma informação acrescida, uma vez que alguns assuntos foram mais aprofundados. Em termos de conteúdo, o livro vai mais longe do que foi possível ir no documentário, por limitações de tempo. Cada episódio não podia fugir muito dos 50 minutos.

P-Apesar de já muito se saber sobre o cérebro é comum dizer-se que ainda estamos longe de conhecermos tudo: o cérebro é mesmo um assunto interminável?
R-É. A descodificação dos mistérios do cérebro é uma empreitada sem fim à vista. Apesar de já se ter descoberto muito, aquilo que está para lá da montanha permanece um enigma. Tal como os investigadores partilharam connosco, este é um tempo fascinante, porque existe uma conjugação de fatores e tecnologias que permitem grandes avanços. Aquilo que vimos recentemente no combate à pandemia, com a cooperação internacional na descoberta de novas armas para fazer face ao vírus, está a acontecer com o cérebro humano na última década. Vários países do mundo uniram esforços para tentar desvendar os mistérios do cérebro humano, porque há a consciência geral de que só assim se conseguirá avançar perante a dimensão do desafio. Uma das grandes urgências é o combate às patologias do cérebro que vão aumentar cada vez mais. Para quase todos os órgãos a medicina tem respostas para aumentar a sua longevidade, exceto para o cérebro. Vamos ter corpos saudáveis com cérebros que não param de envelhecer: são as demências. No entanto, o mistério dos mistérios para o qual ainda não há resolução à vista continua a ser “o que é a consciência”.

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“Se não tivéssemos memória não sabíamos
falar, andar, não sabíamos o que comer,
seríamos como uns vegetais. A memória é
a nossa capacidade mais importante.”
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P-O mais vos surpreendeu sobre o cérebro humano na investigação que desenvolveram para o documentário e para o livro?
R-É fascinante o facto de ser tão misterioso o universo (o infinitamente grande), quanto o cérebro humano (o infinitamente pequeno), esta espécie de pudim cinzento que pesa cerca de 1,3 kg e que transportamos sobre os nossos ombros.  Depois o facto do cérebro humano estar relacionado com tudo o que podemos imaginar e de ser uma máquina de aprender, que está em constante evolução. Foi surpreendente perceber a importância de ir à escola e o que poderia acontecer caso uma só geração não o fizesse. Tudo o que sabemos foi-nos transmitido pelas gerações passadas e a continuidade da passagem de testemunho é a nossa obrigação para com a civilização. Também é surpreendente o poder que a música exerce no cérebro das crianças. António Damásio fez uma experiência com crianças que aprendem música na Orquestra Filarmónica de Los Angeles e as conclusões foram notáveis. Todas as crianças deviam aprender música na escola, devia ser uma disciplina levada a sério. A memória é outro aspeto relevante.  Se não tivéssemos memória não sabíamos falar, andar, não sabíamos o que comer, seríamos como uns vegetais. A memória é a nossa capacidade mais importante. Outro aspeto muito relevante é o facto da cooperação e da socialização terem um papel determinante naquilo que o nosso cérebro é hoje e naquilo que construímos enquanto civilização.

P-O título Deus Cérebro é provocador. Mas será apenas uma provocação ou será uma convicção vossa?
R-O cérebro é um Deus no sentido em que é o grande maestro, mas tal como numa orquestra o maestro não funciona sem os seus músicos, aqui acontece o mesmo. A ligação com o resto do corpo é essencial para que a melodia aconteça. A nossa convicção é que o nosso cérebro é uma construção que demorou 13,8 mil milhões de anos a evoluir. Ainda assim, não consegue ser omnipresente, omnipotente e omnisciente. Isto segundo os cânones da definição de Deus. Mas o cérebro é superlativo. Nada é comparável às capacidades deste órgão com pouco mais de um quilo, nada.

P-Depois deste projecto, o que se seguirá: Vão continuar a explorar outras dimensões do cérebro ou estão de partida para outros temas?
R-Em termos de documentário, já fizemos várias outras coisas depois deste tema. Não exatamente sobre ciência mas como o cérebro humano está relacionado com tudo, não podemos dizer que não tenha que ver com o tema.
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Anabela Almeida/António José de Almeida
Deus Cérebro
Oficina do Livro  17,90€

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