Ana Teresa Pereira: “O que importa realmente é o que sentimos quando estamos a escrever”

1-O que representa na sua obra o livro “Como se o Mundo Existisse”?
R-Não sei. Um livro pode sempre ser o último e pode ser o princípio de algo de novo. O que interessa (e é talvez o único motivo para continuar) é o que sinto quando estou a escrever. Um mundo a tomar forma. Como nos versos de William Stafford: “Things come toward you when you walk”; “And a world begins under the map.” O título do livro também teve origem num verso de William Stafford: “Treat the world as if it really existed.”

2-Qual a ideia que esteve na origem desta obra?
R-Não houve uma ideia inicial. Estava a reescrever “As Estátuas”, um conto de que gosto muito, embora o sinta como algo de ameaçador. Já o reescrevi muitas vezes, mas as alterações são mínimas: creio que nesta versão só a imagem do girino é realmente nova. Depois reescrevi “Os Monstros”, o meu segundo conto fantástico, que também tem inúmeras versões. Passei para os contos ligados ao teatro, reli “A Dançarina da Caixa de Música”, que nunca tinha sido publicado. Entretanto, descobri por acaso alguns prefácios, dois publicados, outros de que já nem me lembrava. E contos que saíram em revistas. Fascinou-me a unidade que existia entre esses textos e, ao reescrevê-los, acentuei as repetições, criei novas repetições. Segundo Freud, a repetição é uma fonte de estranheza (tal como o duplo) e ao escrever uso-a por instinto e também deliberadamente. De certa forma, escrever este livro foi juntar pedaços, procurar o lugar deles no puzzle, e vê-los transformar-se, ganhar novos sentidos, alterar o sentido uns dos outros.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Estou a escrever um conto para uma antologia policial americana. O meu conto “The Adventure of the Red Dress” faz parte da antologia “The Return of Sherlock Holmes”, editada por Maxim Jakubowski, que saiu este mês; o conto “What I Don’t Understand is the Music” será publicado na antologia “Femmes Fatales” da mesma editora (Mango Publishing). Estes contos, escritos directamente em inglês (há também alguns publicados em revistas), são uma experiência nova mas que remete para a infância, para as edições brasileiras da Ellery Queen’s Mystery Magazine e da Alfred Hitchcock’s Mystery Magazine que existiam na minha casa e pertenciam ao meu pai. Também remete para escritores de que gosto muito como Cornell Woolrich (William Irish), Ellery Queen, Charlotte Armstrong. A imagem do escritor sentado à secretária em frente da máquina de escrever, com uma “deadline” a cumprir… E é surpreendente o que se pode fazer (criar) num conto com 5000 ou 6000 palavras, escrito em pouco tempo, e numa língua que não é a nossa. Voltando ao princípio, o que importa realmente é o que sentimos quando estamos a escrever.
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Ana Teresa Pereira
Como se o Mundo Existisse
Relógio d’Água  17€

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