Ana Rita Rodrigues e Carla Serrão: “Mindfulness significa estar e ser, por inteiro, na vida”

1-Qual a ideia que esteve na base deste vosso livro «Renascer. Como a Pandemia o pode Acordar»?
R- Com a Pandemia provocada pela doença COVID-19 fomos forçados a desacelerar e até, eventualmente, a parar. Congelamos afazeres diários, pendentes urgentes e até mesmo projetos que estavam em construção. De um momento para o outro tivemos à viva força que desocuparmos a nossa mente e este cenário pandémico originou uma completa ausência de controlo. De um momento para o outro, vimo-nos obrigados a reinventarmo-nos, a rejuvenescer e a ressurgir. Renascer, para nós, significa isso mesmo: acordar e ganhar um olhar diferente sobre a vida, sobre nós e sobre o mundo envolvente. Neste livro, queríamos mostrar às pessoas que o facto de tomarmos consciência de uma outra forma, mais plena e descentrada, nos permite alcançar aquilo a que chamamos de “distância de segurança”, ou seja, o distanciamento emocional. Cultivarmos intencionalmente a nossa atenção permite-nos também um novo olhar, atento e compassivo, sobre a vida, sobre nós e os outros, possibilitando-nos o apaziguamento de experiências angustiantes e emoções que nos desafiam e desestabilizam. Com esta narrativa, queríamos que os leitores contruíssem o seu próprio caminho para enfrentarem os seus medos e as suas expectativas, perante aquilo que não controlam, que desconhecem. A Pandemia veio mostrar-nos precisamente esta ausência de controlo, evidenciando uma completa intolerância à incerteza e ao desconhecido e a meditação mindfulness abre-nos portas para um admirável mundo que, embora não nos seja novo, está, para muitos de nós, totalmente adormecido.

2-Por causa da pandemia, estamos a viver muitos meses difíceis, complicados e inesperados. Tudo ficou suspenso. De que forma os princípios e as práticas do mindfulness podem ajudar-nos a superar esta fase?
R-O Mindfulness significa estar e ser, por inteiro, na vida. É experimentar, momento a momento, o que se vai passando tanto no mundo interno como no mundo externo, criando espaço mental mesmo em circunstâncias difíceis. Esta é a premissa de base deste conceito e é, diríamos nós, o caminho para encontrar a estabilidade. Este cultivo da nossa presença, estando atentos ao que se passa à nossa volta e internamente, isto é, aos nossos pensamentos, às nossas emoções e sensações, deverá ser feito com um propósito, ou seja, com intencionalidade, e livres de quaisquer julgamentos. Aceitar o que emergir, momento a momento, com uma atitude aberta e curiosa. De que forma isto nos permite ir ao encontro da nossa estabilidade? Pois bem, a nossa vida acontece no aqui e agora, momento a momento. Ora, se não estamos no momento presente, não estamos a viver. O Ser Humano tem o hábito de viver no passado, preso e encurralado a eventos que já ocorreram e que nada pode fazer para os alterar ou resolver; ou viver no futuro, antecipando os mais variadíssimos cenários e prevendo o que irá acontecer, como se de futurologia se tratasse. Em qualquer uma destas opções, como podemos perceber, não estamos a viver, até porque a vida acontece agora, no presente! O mindfulness permite-nos perceber que as coisas acontecem no seu tempo, ao seu próprio ritmo e que, muitas vezes, nada podemos fazer para as adiar ou antecipar. Por vezes, a melhor opção é mesmo aceitar o modo como as coisas estão num dado momento e focarmo-nos naquilo que podemos “trabalhar”. Por exemplo, ao invés de tentarmos alterar as situações que não controlamos, porque não olhamos para dentro e exploramos aquilo que estamos a sentir? Porque não nos questionamos: “O que posso fazer para atenuar o meu sofrimento, neste preciso momento?” ou então “De que é que eu preciso, agora?”. Aproveitar esta conexão connosco próprios, momento a momento, dir-nos-á qual o melhor caminho a seguir, quais as melhores escolhas e decisões a tomar. O problema é que, não raras vezes, o Ser Humano vive “fora de si”, do seu corpo e da sua mente. Vive em buscas constantes dos próximos afazeres, dos próximos eventos, perdendo o rumo ou até mesmo a noção das suas raízes, motivações e desejos de base.

3-Já é possível fazer um balanço objectivo e concreto dos impactos da pandemia na saúde mental dos portugueses?
R- Diríamos que sim, porém as consequências da COVID-19 em termos de Saúde Psicológica e Bem-Estar geral estão longe de terminar. Em primeiro lugar, a pandemia exigiu e continua a exigir em todos nós uma grande capacidade de adaptação. Dia após dia, em função das novas regras e normas, vemo-nos obrigados a alterar as nossas rotinas, os nossos planos e o nosso dia-a-dia. Após vários meses de sacrifícios e limitações é natural sentirmo-nos cansados, frustrados e exaustos de tudo isto. A nossa própria motivação para seguir à risca as orientações e os comportamentos de proteção, diminui. Esta “fadiga da pandemia” está associada a sentimentos de sobrecarga, vigilância e cansaço e afeta cerca de 60% da população, segundo um estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O medo inicial de contrair a doença vem sendo substituído pelo hábito e pela diminuída perceção de risco relacionada com a doença COVID-19. Tudo isto tem impacto e os efeitos colaterais desta pandemia estão à vista – desemprego, perda de rendimentos, deteorização da saúde física e mental, processos de luto, entre outros. Estima-se que entre 20% a 30% das pessoas venham a sofrer com o impacto psicológica da pandemia, experienciando depressão, ansiedade ou stresse. A par disso, importa mencionar alguns grupos específicos, como os profissionais de saúde, que apresentam níveis médios a elevados de exaustão emocional (ou fadiga por compaixão) e burnout, ou as crianças e adolescentes, que se mostram cada vez mais preocupadas, ansiosas, agitadas e tristes. Infelizmente, os impactos psicossociais permanecerão, provavelmente, muito após os impactos físicos terem sido ultrapassados.
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Ana Rita Rodrigues/Carla Serrão
Renascer. Como a Pandemia o pode Acordar
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