Ana Paula Jardim: “Um deambular pela cidade não só física, mas simbólica que somos todos nós”

1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro Rua do Arsenal?
R-Rua do Arsenal é apenas o meu terceiro livro de poesia. Tem um lado errático e muito fragmentado que corresponde a uma deriva. Os poemas que constituem o livro resultam disso mesmo. Como fragmentos temporais que poderia continuar a escrever indefinidamente. O trabalho de estrutura narrativa é posterior e é conferido por duas artérias diferentes e que unem esta ideia de errância interior e exterior. A palavra Arsenal funciona como ligação, como bússola, mas durante muito tempo foi só isso: um deambular pela cidade não só física, mas simbólica que somos todos nós, pela reconstrução desse território.

2-Qual a ideia que esteve na sua origem?
R-Este livro tem poemas que pertencem a momentos temporais e paisagens interiores muito diferentes. Foi escrito ao longo de dois anos numa estranha errância, numa busca. O poema Parque de Estacionamento, por exemplo, foi escrito (antes mesmo das palavras) num lugar que é um supermercado perto da residência da minha mãe, em Coimbra, ainda durante a pandemia. O poema é só a descrição desse dia. No entanto, poderá ser qualquer parque de estacionamento independentemente da localização geográfica. O mesmo sucede em relação a outros poemas. O horizonte é a cidade de Lisboa (que conheço desde os três anos de idade, nas inúmeras viagens em que acompanhei o meu pai e onde passei a residir mais tarde), mas sempre em diálogo com várias pessoas. Têm dois poemas mais longos (um território em que me aventurei) e que funcionam como alicerces da estrutura narrativa: um é a reconstrução poética da Rua do Arsenal (mais histórico e político), o segundo é sobre o Cais do Ginjal (mais onírico e visual). Poemas em margens diferentes, quase como paralelas, em margens opostas (como antípodas). A palavra Arsenal não funciona apenas no sentido literal e geográfico, mas como sujeito lírico em diálogo com o corpo da cidade. O título do livro, bem como o poema, surgiu num dia de maio de 2022, quente, numa espécie de Verão antecipado, em que percorri a Rua do Arsenal e fui fustigada por uma enxurrada de imagens que descrevo. O calor intenso e o ar abafado. É uma das artérias mais importantes não só da cidade de Lisboa, mas da nossa própria história, com uma carga simbólica e política forte e que já foi cantada por outros. Apesar de tudo, este poema é apenas a minha reconstrução poética da rua, calcada por poetas, atores políticos, artistas, revolucionários, mas, também, por pessoas anónimas, comuns como eu. E é esse lado que mais me interessa. O poema é esse pulsar musical das minhas passadas, das minhas palavras. O meu arsenal se quisermos. Possui, também, um eco da memória, de um tempo, já longínquo, em que a percorria enquanto estudante. Era sempre este o caminho escolhido até à Praça do Rossio sem que eu saiba dizer a razão. O que nunca imaginei é que, mais tarde, iria publicar um livro com este título.

3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Neste momento, continuo a investir num projeto que vai avançando no seu ritmo. Devagar. Não é poesia (embora a escreva sempre como uma pele de que não me consigo livrar), mas o que chamo, por agora, um romance experiência. Porque não sei ainda bem o que será. Nem sei se o publicarei. Não tem roteiro, nem data de conclusão. No entanto, tem já uma ideia definida e algumas decisões tomadas, mas tudo o resto é como um caminho cego. E tem uma matriz de oralidade. É tudo o que posso dizer. Existe outro texto que escrevo, em contínuo, como fragmentos, uma espécie de fluxo da consciência, sem tema definido, nem regras e que continuarei a fazer provavelmente durante o resto da minha vida ou, pelo menos, até sentir que está terminado. O que é difícil de prever.
__________
Ana Paula Jardim
Rua do Arsenal
Guerra e Paz   13€

Ana Paula Jardim na “Novos Livros” | Entrevistas

COMPRAR O LIVRO