Ana Margarida Chora | Insónia Lúbrica

1- O que representa, no contexto da sua obra, o livro “Insónia Lúbrica”?
R – Representa uma ruptura relativamente à estética poética
propositadamente neo-decadentista e simbolista proclamada na obra anterior,
Diadema, que se adornava de desenhos (também meus, vertente artística que
assino como ‘Ana Chora’) muito influenciados pela Art Nouveau e Art Déco. E
ainda um afastamento do confessionalismo quotidiano do primeiro livro de
poesia, Janela sobre o Tempo. Se bem que a influência pictórica, com a qual bastante me
identifico, se mantenha, como se vê pela capa do livro, e muito embora as
referências da Belle Époque não tenham abandonado completamente o imaginário da
obra (já que as alusões à arte, à música, à dança daquela época continuem
presentes), o salto estético deu-se em termos temáticos e estilísticos. Por um
lado, há uma matéria linguística, de que se compõe a poesia, que é partilhada
com o interlocutor (aliás, sempre o mesmo ao longo do livro). Por outro, há
aspectos que se demarcam estilisticamente de definições formais para se
instalarem num plano mais conceptual, ainda que muitos dos poemas tenham uma
preocupação expressa relativamente à forma. De resto, mantém-se um registo algo
sentencioso, digamos, uma vez que a minha poesia se caracteriza mais pela
discursividade do que pela contenção expressiva.
2 – Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R – É um livro que celebra o amor por acontecer. O amor
incipiente, o amor em potencial e o amor ficcional, não no sentido ilusório,
mas na sua acepção narrativa. Trata-se uma história contada a partir dos seus
momentos significativos, os quais são revelados metaforicamente. Como já
afirmei noutro sítio, a poesia é uma linguagem que traduz esteticamente o
indizível. Como tal, é um modo peculiar de decifração. Tanto da parte de quem
escreve como da parte de quem lê. Mas quem escreve tem o poder de “encriptar”
os significados inerentes ao texto. Insónia Lúbrica (um título que se compõe do estado que me
predispôs à escrita, “insónia”, e de um “empréstimo” de Camilo Pessanha e
Cesário Verde, “lúbrica” – visto que ambos os poetas, da minha preferência,
escreveram poemas com esse título) parte de factos verídicos para a sua
transposição ficcional pela linguagem figurada. Porque qualquer verdade é,
antes de mais, sempre filtrada pela linguagem, através da qual existe. E, para
além disso, se essa linguagem for um meio esteticamente intencional de sugerir
o que se pretende dizer, então poderemos estar perante linguagem poética. Este
livro, como é dito numa espécie de “ensaio introdutório” que antecede os
poemas, exige essa capacidade de descodificar o seu conteúdo inerente, pois a
obra está envolta numa aura de mistério que convida o leitor a fantasiar sobre
os enigmas textuais.
3 – Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R – Insónia Lúbrica tem a sua sequela. Há outro livro de
poesia a nascer a partir do que ficou por contar naquele. Ou melhor, dos
acontecimentos subsequentes que se inserem noutra lógica discursiva. Já tem
título e os poemas já estão quase todos escritos. É tudo uma questão de
organização sob a forma de livro. Exceptuando estes afazeres, continuo a minha investigação na
área da Literatura Comparada, que exige um contínuo trabalho de pesquisa,
escrita e reescrita, próprias da actividade académica. Há projectos que têm de
ser terminados e que a linguagem poética não pode absorver!
__________
Ana Margarida Chora
Insónia Lúbrica
Centro de Estudos Bocageanos 10€