Maria Ana Kadosh: “De pequenino se torce o destino”

1-Qual a ideia que está na origem do seu livro «Alimentação e Nutrição nos Primeiros 1000 Dias de Vida»?
R-O que me levou a escrever este livro foi o facto dos primeiros 1000 dias de vida constituírem um dos períodos mais importantes, diria mesmo o mais importante, do nosso desenvolvimento. Os fatores ambientais a que somos expostos durante esta fase do ciclo de vida (da gravidez até aos dois anos de idade), em particular a alimentação e a nutrição, podem determinar o risco de desenvolver doenças não transmissíveis (doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade, entre outras) na idade adulta. Estas doenças são, atualmente, a principal causa de morbilidade e mortalidade no mundo e a sua prevalência tem atingido níveis epidémicos. Por este motivo, é muito importante que todos estejamos conscientes e informados sobre a melhor forma de prevenir a doença e promover a saúde das nossas crianças e das gerações futuras. Este livro decorre não só da minha experiência profissional e pessoal a trabalhar há 15 anos, primeiro como nutricionista e mais tarde como médica, na área da nutrição materno-infantil; mas também, de uma reflexão crítica da evidência científica que existe, até à data, na área da alimentação e da nutrição nos primeiros 1000 dias de vida. Foi escrito através de uma linguagem simples e com exemplos práticos do quotidiano para que possa ser entendido por todos os que o leem e não apenas por colegas ou outros profissionais de saúde. São abordados vários temas referentes a esta fase do ciclo de vida, com enfoque nas recomendações alimentares e nutricionais na gravidez, nos mitos associados à amamentação, nas recomendações mais recentes sobre a forma como deve ser iniciada a diversificação alimentar e por fim, nas estratégias para dar resposta ao enorme desafio de manter uma dieta familiar saudável e sustentável para a vida.

2-Quais os benefícios de as grávidas (e as novas mães) serem mobilizadas para a adopção de uma alimentação saudável dos bebés, futuros jovens e adultos: De pequenino ser torce o destino?
R-A primeira ideia-chave a ter é que os cuidados que as mulheres recebem antes, durante e após a gravidez têm profundas implicações para a saúde e para o desenvolvimento das suas crianças. Mas não só a nutrição materna conta, e a evidência científica mais recente tem demonstrado que a saúde dos pais no momento da conceção também pode influenciar o risco de obesidade nos seus filhos. É por isso, fundamental promover hábitos alimentares saudáveis ao longo desta fase do ciclo de vida para garantir, por um lado, um ganho de peso gestacional adequado que vá ao encontro das recomendações, e por outro lado, o aporte energético e nutricional necessário para garantir o crescimento saudável do bebé. O ganho de peso gestacional excessivo está associado ao aumento do risco de obesidade, diabetes gestacional, hipertensão, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, parto por cesariana e hemorragia pós-parto. Por outro lado, um aumento de peso gestacional inadequado está associado ao aumento do risco de parto pré-termo e ao baixo peso ao nascer, aumentando a morbilidade e mortalidade. Para além disso, existe um fenómeno de “programação metabólica” que implica que a presença ou ausência de alguns nutrientes durante períodos críticos do desenvolvimento pode determinar uma resposta metabólica com alterações permanentes, e que as mesmas podem ter uma expressão clínica só décadas mais tarde. Por exemplo, se o ácido fólico, o ferro e o iodo forem limitados durante a vida in utero, as consequências podem ser irreversíveis e podem incluir sérios defeitos ao nível do cérebro e da coluna e comprometer o desenvolvimento cerebral da criança. Por outro lado, hábitos alimentares adequados durante a gravidez estão associados a um menor risco de anemia materna, parto pré-termo e baixo peso ao nascer. Outro dado muito curioso é que o feto, através da deglutição do líquido amniótico, desenvolve as suas capacidades sensoriais, olfativas e gustativas, através dos sabores e odores da alimentação materna. E estas experiências sensoriais precoces contribuem para uma melhor aceitação da introdução dos primeiros alimentos durante o período da diversificação alimentar e facilita a experimentação de novos alimentos mais tarde. Por isso, e respondendo à sua pergunta, sim “de pequenino se torce o destino”.

3-De acordo com a sua experiência, como está a evoluir a situação em Portugal: estamos mesmo a criar bebés mais saudáveis?
R-De acordo com os dados nacionais da 6ª ronda do estudo COSI Portugal, apresentados na semana passada no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, infelizmente não estamos a evoluir favoravelmente. De acordo com os dados deste estudo, em 2022 verificou-se um aumento de 2,2 pontos percentuais na prevalência de excesso de peso infantil, de 2019 para 2022 (2019: 29,7% para 2022: 31,9%) e de +1,6 pontos percentuais de obesidade infantil (2019: 11,9% para 2022:13,5%), comparativamente ao período entre 2008 e 2019 onde se verificou uma redução prevalência. Estes dados vêm reforçar ainda mais a necessidade de investir na promoção de um estilo de vida saudável o mais precocemente possível para prevenir a doença e promover a saúde a longo prazo. Todas as crianças têm o direito de receber os melhores cuidados e a melhor alimentação e nutrição desde o início da sua vida para garantir o seu potencial máximo de crescimento e desenvolvimento. É urgente investir na formação e capacitação dos profissionais de saúde na área dos primeiros 1000 dias de vida para que possam aconselhar os pais, os cuidadores e as crianças com base na melhor evidência científica. Por isso, nos dias 14 e 15 de Setembro, vamos organizar na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa em parceria com a Sociedade Portuguesa de Medicina do Estilo de Vida, o curso “Estilo de vida saudável nos primeiros 1000 dias de vida”. Este curso tem como principal objetivo formar os profissionais de saúde, com base na evidência científica atual, em competências na promoção de um estilo de vida saudável nos primeiros 1000 dias de vida através da discussão de hot-topics e do desenvolvimento de workshops práticos em alimentação e nutrição, e atividade física adaptada à gravidez, ao puerpério e à infância. Para mais informações e inscrições pode consultar o site do curso.
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Maria Ana Kadosh
Alimentação e Nutrição nos Primeiros 1000 Dias de Vida
FFMS  3,50€

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