Ana Brito Costa: “As dietas que impõem restrição total de um ou mais grupos alimentares acabam sempre por constituir perigos para a saúde”
1-Qual a ideia que está na origem do seu livro «As Dietas da Moda: Impactos Clínicos”?
R- Este livro surgiu de uma necessidade sentida ao longo dos últimos 18 anos; com uma média de mais de 500 consultas de nutrição por ano pude constatar as necessidades sentidas por quem procura uma consulta de nutrição e o reconhecimento de que precisam de muito mais do que um cálculo de necessidades nutricionais e um plano alimentar adequado. Na realidade estas pessoas têm expectativas de resultados e carregam o peso de frustrações várias, o que muitas vezes contribui para encurtar o tempo que admitem plausível para a resolução dos seus problemas. E quem não procura soluções rápidas, eficazes, seguras e efetivas para a resolução de problemas? O problema é que no contexto de emagrecimento as estratégias nutricionais podem trazer mais riscos do que benefícios se não forem devidamente conduzidas. As estratégias que permitem obter resultados mais rápidos acabam por falhar na segurança por induzirem alguns riscos clínicos, mas parece-me importante realçar que falham também na eficácia e efetividade, já que menos de 3% das pessoas com resultados positivos no emagrecimento sustentado a longo prazo, conseguiu-o à custa de uma dieta da moda. Os riscos clínicos são variados e prendem-se sobretudo com défices nutricionais de micronutrientes (vitaminas e minerais), desequilíbrio de líquidos e sais no organismo e risco de doença cardiovascular, dependendo do tipo de estratégia tomada. Mas também devo assinalar riscos importantes transversais a todas estas estratégias: primeiro, a adaptação metabólica que dificulta tentativas posteriores de perda de peso (o que já deveria, por si só, constituir um franco desencorajamento para estas práticas) e segundo, na maioria das vezes não contribuem para a aquisição de hábitos alimentares adequados, tornando efémero o resultado obtido. Pelos variados casos que acompanho e acompanhei, senti a necessidade de alertar as pessoas para o lado menos positivo das estratégias nutricionais publicitadas e fortemente encorajadas. Quase como a necessidade de mostrar as “letras pequenas” que deveriam figurar nos slogans destas dietas.
2-As dietas em que prometem resultados milagrosos e em muito pouco tempo deveriam ser proibidas?
R- Estas dietas apelidadas de milagrosas não têm que ser proibidas, mas deveriam antes carecer de alguma regulação. Uma regulação imposta sobretudo pelas pessoas a quem as dietas são apresentadas e publicitadas e que deverão ter sentido crítico suficiente para perceber que determinada abordagem pode não estar indicada na sua situação. Assim, um método de regulação importante passará pela necessária literacia nutricional e literacia em saúde por parte das pessoas. Trabalhos semelhantes foram conduzidos noutras áreas; sabemos que há alguns anos era frequente a recomendação de terapêuticas farmacológicas entre indivíduos, sem o necessário aconselhamento médico associado. Atualmente este comportamento representa uma fatia muito mais pequena do recurso ao medicamento. Importa esclarecer as pessoas, mas primordialmente sensibilizar para que elas têm a necessidade de ser esclarecidas. Quero com isto dizer que é de extrema importância que as pessoas que querem recorrer a algum tratamento tenham noção de que esse tratamento pode ter riscos, pode não ser eficaz e efetivo no seu caso. Aquilo que gostaria, à semelhança do que se passou na área do medicamento, é que estas estratégias nutricionais passassem a estar “sujeitas a receita” de forma a selecionar criteriosamente os indivíduos, a monitorizá-los e a minimizar e controlar potenciais riscos e efeitos adversos, tal como deve ser conduzida toda a boa prática clínica. Gostaria de não voltar a ter conhecimento de situações clínicas graves decorrentes de práticas nutricionais desequilibradas que foram conduzidas por longos períodos e sem o acompanhamento clínico necessário.
3-Como nutricionista, quais as opções saudáveis que geram resultados duradouros e sustentáveis de perda de peso no médio longo prazo?
R-Como sabemos, a ciência nas áreas da nutrição tem produzido conhecimento cada vez mais robusto e sustentado, que hoje nos permite traduzir em recomendações nutricionais dirigidas a variadíssimas circunstâncias. Hoje são conhecidos os efeitos de muitos nutrientes e compostos bioativos na prevenção e tratamento de diversas condições clínicas. O equilíbrio, a variedade e a proporcionalidade são as chaves mestras para o processo de tratamento nutricional e têm, necessariamente, que ser individualizados. A dieta ideal para gerar resultados efetivos e duradouros no que ao emagrecimento diz respeito, deve ser segura, efetiva, nutricionalmente equilibrada, promover a aquisição de hábitos alimentares saudáveis e facilitar a adesão e manutenção a longo prazo. Se os primeiros fatores podem ser constantes entre todos os indivíduos, os últimos, relacionados com a facilidade de adaptação e resistência por parte de cada um, são extremamente individuais. É inquestionável que a criação de um balanço energético negativo é condição essencial e imprescindível quando se pretende a perda de peso, sendo que a sua magnitude deve ser, na maioria das vezes, moderada. Relativamente à contribuição de cada nutriente para esta restrição, a evidência disponível é ambígua, quer no impacto na perda de peso, quer no impacto clínico em geral. Dito isto, percebe-se que temos uma grande variedade de combinações nutricionais, que se pode traduzir num número infinito de opções alimentares adequáveis a cada indivíduo. Estas escolhas alimentares podem (e devem) incluir alimentos com propriedades fantásticas devido ao conteúdo em compostos bioativos. Hoje conhecemos estas propriedades e conhecemos também abordagens nutricionais totalmente seguras e eficazes no processo de emagrecimento e que ainda contribuem para a prevenção de doenças crónicas não transmissíveis. Refiro-me primordialmente à Dieta Mediterrânica, declarada Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, e que contempla um padrão alimentar nutricionalmente riquíssimo, mas também promove a ingestão alimentar baseada na diversidade, nos produtos locais e da época e com preparações culinárias simples. Para quê procurar soluções novas, cuja segurança, eficácia e efetividade são questionáveis?! Devemos procurar as estratégias seguras e que, simultaneamente, se enquadrem nas preferências alimentares e no padrão alimentar de cada um de forma a garantir resultados mais consistentes e duradouros. As dietas que impõem restrição total de um ou mais grupos alimentares acabam sempre por constituir perigos para a saúde, portanto, a aposta no equilíbrio e na proporcionalidade parece ser mesmo a melhor estratégia para alcançar o sucesso.
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Ana Brito Costa
As Dietas da Moda: Impactos Clínicos
FFMS 3,50€