Ana Bárbara Pedrosa: “A vergonha é uma coisa tão densa que há sempre por onde pegar”
1-O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Amor Estragado»?
R-É o meu terceiro romance e muito diferente, em termos de estética e de ambiente, dos outros dois. Já o segundo cortava com o primeiro. Na escrita, interessa-me isso, criar uma voz para cada livro, mergulhar numa coisa diferente, ampliar a minha capacidade de dizer. Portanto, o livro representa também esse caminho, e espero que o seguinte o faça da mesma forma. Como não tenho interesse em repetir fórmulas, o que me puxa é a possibilidade de cada romance ser um desafio para mim e uma surpresa para o leitor.
2-Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Já tinha a ideia na cabeça há muitos anos, mais de vinte. Era uma criança na altura, evidentemente sem capacidade para romancear. Esteve latente muito tempo até que chegou a hora. Quis tratar, no romance, da forma como o alcoolismo e a violência conjugal destroem as raízes à volta – não do casal, mas da família de origem de quem cai nessa. Por isso, queria desenvolver a separação entre irmãos, entre mãe e filho (a quebra do amor à partida incondicional) e, sobretudo, a forma como tudo isto, mais do que raiva, causa vergonha. A vergonha é uma coisa tão densa que há sempre por onde pegar. Seja pura dor ou ironia, como matéria literária é uma possibilidade permanente. Claro que querer tratar estes temas não implica uma análise abrangente. O que eu queria fazer era criar uma família com estes elementos e pôr as personagens em cena, tal qual fantoches, testando uma possibilidade de vida, de relação e, acima de tudo, de confronto. E, acima de tudo, quis ser essas pessoas, daí a opção por escrever o livro sob o ponto de vista de duas personagens. Em termos de estilo, também me abriu as possibilidades, porque pude falar como gente muito diferente de mim: dois irmãos que eram também muito diferentes um do outro. Ser a cabeça do Manel teve tanto de desafio quanto de diversão, e só a literatura poderia permitir-me as asas de ser um homem de meia-idade bêbedo, violento e iletrado. De resto, gosto muito da ideia de limbo, de ir testando pensamentos ou sensações que estão paredes-meias com outros quase contraditórios. É divertido fazê-lo até porque não sei bem para onde vão as coisas, e principalmente porque criar a emoção me faz senti-la, o que faz com que o acto de escrever tenha momentos de pura carga dramática.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Isso acho que digo quando o futuro for presente. Para já, estou no meu processo a sós, de intimidade com uma ideia que vai tacteando a ver se há algum caminho.
[Fotografia: Mehdi Madif]
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Ana Bárbara Pedrosa
Amor Estragado
Bertrand 17,70€
Ana Bárbara Pedrosa na “Novos Livros” | Entrevistas