Amilcar Betega | Os Lados do Círculo
R- Representa sobretudo a experiência de dois sentimentos antagônicos no que diz respeito a uma avaliação externa do meu trabalho: o da rejeição e o da aceitação. Inicialmente uma rejeição porque este livro (ou pelo menos a sua essência, o que ele era quando dei ele por terminado e decidi publicá-lo) foi rejeitado por todas as editoras do Brasil. A tal ponto que depois de muito insistir, eu decidi abandonar a idéia de publicá-lo e passei a trabalhar em outro livro. Este outro livro, “Deixe o quarto como está”, eu o publiquei logo a seguir, com muito boa recepção por parte da crítica. Na esteira dessa publicação e de sua repercussão, “Os lados do círculo” acabou ele também sendo publicado. E teve não só uma bela recepção da crítica como também ganhou no ano seguinte o Prêmio Portugal Telecom de Literatura, um dos prêmios literários mais importantes do Brasil.
Isto confirma que a avaliação de um livro, seja por parte da crítica, ou do mercado editorial, é sempre subjetiva e não pode ser tomada como sentença definitiva.
2- Qual a ideia que esteve na origem do livro?
R- Eu queria trabalhar uma idéia central, um conceito, que acabou sendo o da circularidade. Não posso precisar exatamente como surgiu a idéia de “circularidade”, porque essas coisas vão acontecendo, o livro vai se construindo e no final já não se sabe exatamente como ele se construiu.
Uma das coisas que mais me atrai no gênero conto é essa característica de estrutura que se fecha nela mesma, que se basta, seu caráter de unicidade, algo que aponta para um certo rigor matemático. Eu queria explorar isso em termos de recurso — e ao mesmo tempo delimite — formal. Porque é a onipresente noção de limite (n° de personagens, elementos do cenário, tempos narrativo e de leitura, incidentes da trama, etc.) que dá ao conto o rigor formal e a economia precisa que o caracteriza. Limite que, transpondo para a vidinha nossa de cada dia, a gente encontra todo o tempo e por todo o lado. Então eu queria fazer uma ponte entre a estrutura circular como modelo formal do conto e a tematização de uma realidade urbana contemporânea que pode também assumir algo de “circular” e limitado, um “andar em círculos” permanente.
Além disso, essa idéia de circularidade é perseguida não só em cada conto individualmente, mas também na estruturação global do livro, na ordem e distribuição dos textos. Se o leitor lê os textos na ordem proposta ele vai percorrer um caminho que de certa maneira é circular. Os contos de “um lado” se correspondem, de uma ou outra maneira, com os contos do “lado um”, como se houvesse um espelho no meio: o primeiro conto tem uma seqüência no último, os personagens do segundo reaparecem no penúltimo, o terceiro se corresponde com o antepenúltimo, e assim vai.
3-Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R- Estou escrevendo aquele que será meu primeiro romance. Depois de achar que jamais escreveria um e me fechar, um pouco ridiculamente, na defesa do conto contra a preferência editorial do romance, resolvi aceitar o desafio de uma produtora de São Paulo que montou um projeto onde 17 escritores brasileiros foram enviados a 17 cidades diferentes espalhadas pelo mundo inteiro para lá passarem um mês e depois escreverem um romance ambientado na cidade em questão. Assim, em 2007 passei um mês em Istambul fazendo de conta que era um habitante da cidade e me impregnando dela. Agora estou escrevendo um romance a partir do que vi e vivi em Istambul nesse período.
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Amilcar Bettega, Os Lados do Círculo
Editorial Caminho, 12,50€