Adeus, classe média?
Muito
se tem falado sobre a classe média portuguesa, e bastantes e diversos são os
alertas para o risco do seu desaparecimento, asfixiada pelo desemprego,
impostos, baixa brutal de rendimentos, endividamento. É cada vez maior a percentagem
dos que engrossam as fileiras da pobreza, sem meios de subsistência mas
tentando externamente manter a imagem, o status
anterior. Chamam-lhes os “novos pobres”. Elísio Estanque, sociólogo, professor
da faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de
Estudos Sociais, dedica-lhe um pequeno mas extremamente interessante ensaio,
justamente intitulado “A Classe Média: Ascensão e Declínio”.
se tem falado sobre a classe média portuguesa, e bastantes e diversos são os
alertas para o risco do seu desaparecimento, asfixiada pelo desemprego,
impostos, baixa brutal de rendimentos, endividamento. É cada vez maior a percentagem
dos que engrossam as fileiras da pobreza, sem meios de subsistência mas
tentando externamente manter a imagem, o status
anterior. Chamam-lhes os “novos pobres”. Elísio Estanque, sociólogo, professor
da faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de
Estudos Sociais, dedica-lhe um pequeno mas extremamente interessante ensaio,
justamente intitulado “A Classe Média: Ascensão e Declínio”.
O
livro está dividido em duas partes. Na primeira, o sociólogo faz uma
sistematização teórica do conceito de classe média, referindo as origens e os
seus precursores, sem esquecer as divergências e controvérsias que o conceito
tem gerado ao longo dos tempos entre as diversas correntes sociológicas, da
visão marxista à weberiana e à perspetiva liberal e funcionalista.
livro está dividido em duas partes. Na primeira, o sociólogo faz uma
sistematização teórica do conceito de classe média, referindo as origens e os
seus precursores, sem esquecer as divergências e controvérsias que o conceito
tem gerado ao longo dos tempos entre as diversas correntes sociológicas, da
visão marxista à weberiana e à perspetiva liberal e funcionalista.
Esta
contextualização teórica permite avançar com mais fundamentação para a leitura
da segunda parte do ensaio, que para muitos será, talvez, a mais interessante,
já que é inteiramente dedicada às particularidades do caso português. Refira-se
ainda a inclusão de um pequeno glossário, muito útil no apoio à leitura.
contextualização teórica permite avançar com mais fundamentação para a leitura
da segunda parte do ensaio, que para muitos será, talvez, a mais interessante,
já que é inteiramente dedicada às particularidades do caso português. Refira-se
ainda a inclusão de um pequeno glossário, muito útil no apoio à leitura.
A
classe média é expressão direta da sociedade. “O seu estado de saúde pode ser
visto como o barómetro que mede a pressão da atmosfera social”, refere Elísio
Estanque, para quem a classe média portuguesa denota sintomas claros de doença.
“Mesmo sabendo que não constitui um corpo homogéneo nem possui uma identidade
própria, é notório que os diferentes segmentos que dela fazem parte enfrentam
atualmente enormes dificuldades”.
classe média é expressão direta da sociedade. “O seu estado de saúde pode ser
visto como o barómetro que mede a pressão da atmosfera social”, refere Elísio
Estanque, para quem a classe média portuguesa denota sintomas claros de doença.
“Mesmo sabendo que não constitui um corpo homogéneo nem possui uma identidade
própria, é notório que os diferentes segmentos que dela fazem parte enfrentam
atualmente enormes dificuldades”.
A
classe média constitui uma realidade concreta, tem uma história, e a sua razão
de ser prede-se com o processo de desenvolvimento e de modernização das
sociedades.
classe média constitui uma realidade concreta, tem uma história, e a sua razão
de ser prede-se com o processo de desenvolvimento e de modernização das
sociedades.
No
caso português, no início da década de 60 a classe média era quase inexistente,
quer em termos de burguesia proprietária e industrial, quer de setores
assalariados de serviços: 2,2% e 4,9% da população ativa, respetivamente. “Em
síntese, os estratos superiores e médios correspondiam a 12,5% da população
ativa e se lhe somássemos a camada inferior-alta teríamos um total de 28%,
enquanto as classes trabalhadoras não qualificadas, com 71,2%, constituíam o
grosso da população ativa”, salienta Estanque.
caso português, no início da década de 60 a classe média era quase inexistente,
quer em termos de burguesia proprietária e industrial, quer de setores
assalariados de serviços: 2,2% e 4,9% da população ativa, respetivamente. “Em
síntese, os estratos superiores e médios correspondiam a 12,5% da população
ativa e se lhe somássemos a camada inferior-alta teríamos um total de 28%,
enquanto as classes trabalhadoras não qualificadas, com 71,2%, constituíam o
grosso da população ativa”, salienta Estanque.
O
crescimento da moderna classe média tem uma estreita relação com a
transformação operada em Portugal após o 25 de abril, nomeadamente a
generalização da frequência universitária (que se refletiu na multiplicação das
profissões liberais), o crescimento do sector público – que o sociólogo
considera a principal via de mobilidade ascendente das classes trabalhadoras
devido às políticas centradas na Saúde, Educação, Justiça e Administração
Pública –, o desenvolvimento do Estado social, a litoralização e a concentração
urbana.
crescimento da moderna classe média tem uma estreita relação com a
transformação operada em Portugal após o 25 de abril, nomeadamente a
generalização da frequência universitária (que se refletiu na multiplicação das
profissões liberais), o crescimento do sector público – que o sociólogo
considera a principal via de mobilidade ascendente das classes trabalhadoras
devido às políticas centradas na Saúde, Educação, Justiça e Administração
Pública –, o desenvolvimento do Estado social, a litoralização e a concentração
urbana.
Elísio
Estanque destaca que as profundas as alterações na estrutura de emprego – na
década 1960 marcada pelos efeitos dos fluxos migratórios, pela crescente
terciarização e feminização e pela rápida concentração urbana – traduziram-se
num crescimento substancial das taxas de atividade (nomeadamente da mão-de-obra
feminina), na redução rápida do setor primário (de 43,6% da população ativa em
1960 para 11,2% em 1991), no aumento rápido do setor terciário (de 27,5% em
1960 para 51,3% em 1991). Pelo contrário, o sector secundário apenas cresceu de
28,9% em 1960 para 38,7% em 1981, mas “a partir daí iniciou um lento e
irreversível declínio”.
Estanque destaca que as profundas as alterações na estrutura de emprego – na
década 1960 marcada pelos efeitos dos fluxos migratórios, pela crescente
terciarização e feminização e pela rápida concentração urbana – traduziram-se
num crescimento substancial das taxas de atividade (nomeadamente da mão-de-obra
feminina), na redução rápida do setor primário (de 43,6% da população ativa em
1960 para 11,2% em 1991), no aumento rápido do setor terciário (de 27,5% em
1960 para 51,3% em 1991). Pelo contrário, o sector secundário apenas cresceu de
28,9% em 1960 para 38,7% em 1981, mas “a partir daí iniciou um lento e
irreversível declínio”.
“De
uma sociedade predominantemente rural passámos, em escassas dezenas de anos,
para uma sociedade de serviços, e isso, naturalmente, fez-se sentir na
estrutura das classes”, sublinha Estanque.
uma sociedade predominantemente rural passámos, em escassas dezenas de anos,
para uma sociedade de serviços, e isso, naturalmente, fez-se sentir na
estrutura das classes”, sublinha Estanque.
No entanto,
acrescenta, esta tendência de mudança estrutural “não foi exatamente fruto de
um processo incremental e harmonioso, mas antes acompanhada de estratégias de
luta e pressões associativas e sindicais, cujas estruturas e sentido
corporativo não deixaram de crescer, sobretudo ao longo dos anos 80 e 90,
assumindo um papel decisivo na reestruturação de profissões e carreiras”.
acrescenta, esta tendência de mudança estrutural “não foi exatamente fruto de
um processo incremental e harmonioso, mas antes acompanhada de estratégias de
luta e pressões associativas e sindicais, cujas estruturas e sentido
corporativo não deixaram de crescer, sobretudo ao longo dos anos 80 e 90,
assumindo um papel decisivo na reestruturação de profissões e carreiras”.
Mas
nas últimas duas décadas, as transformações no mercado de trabalho “fustigaram
de forma dramática” os direitos e a qualidade do emprego. “O modelo produtivo
que até à década de 1980 pôde sustentar uma classe média que parecia em
consolidação sofreu convulsões profundas que abalaram abruptamente as
expetativas mais otimistas”.
nas últimas duas décadas, as transformações no mercado de trabalho “fustigaram
de forma dramática” os direitos e a qualidade do emprego. “O modelo produtivo
que até à década de 1980 pôde sustentar uma classe média que parecia em
consolidação sofreu convulsões profundas que abalaram abruptamente as
expetativas mais otimistas”.
A
fragmentação e precariedade das relações laborais diluem as divisões e
identidades de classe e os símbolos de demarcação perdem significado. O
sociólogo, pertinentemente, questiona: “Não estará a atual tendência de
precarização das relações de trabalho, de dissociação entre condições
profissionais e vínculos laborais, a pôr em causa os critérios tradicionais,
começando a nivelar por baixo e a uniformizar ou reaproximar sob novas
condições de vulnerabilidade segmentos laborais dos serviços e dos
trabalhadores manuais?”
fragmentação e precariedade das relações laborais diluem as divisões e
identidades de classe e os símbolos de demarcação perdem significado. O
sociólogo, pertinentemente, questiona: “Não estará a atual tendência de
precarização das relações de trabalho, de dissociação entre condições
profissionais e vínculos laborais, a pôr em causa os critérios tradicionais,
começando a nivelar por baixo e a uniformizar ou reaproximar sob novas
condições de vulnerabilidade segmentos laborais dos serviços e dos
trabalhadores manuais?”
Com
a crise e as pesadas medidas de austeridade, que recaem de forma acentuada
sobre os estratos médios da sociedade portuguesa, Elísio Estanque conjetura que
a classe média “não conseguirá erguer-se da situação difícil em que se encontra
ou, se o conseguir, será para engrossar a contestação e não para voltar à sua
anterior condição acomodada”.
a crise e as pesadas medidas de austeridade, que recaem de forma acentuada
sobre os estratos médios da sociedade portuguesa, Elísio Estanque conjetura que
a classe média “não conseguirá erguer-se da situação difícil em que se encontra
ou, se o conseguir, será para engrossar a contestação e não para voltar à sua
anterior condição acomodada”.
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Elísio
Estanque
Estanque
A Classe Média: Ascensão e Declínio
Fundação
Francisco Manuel dos Santos, 3,50€ (5€ capa dura)
Francisco Manuel dos Santos, 3,50€ (5€ capa dura)