A Volta está de volta

O desporto não se resume ao futebol e Portugal tem mantido outras tradições igualmente populares, algumas até com um enraizamento local bastante forte. É o caso da Volta a Portugal em Bicicleta, cuja 74.ª edição decorre neste momento, e cuja etapa final será disputada dia 26 de Agosto.
Este parece, pois, o momento ideal para uma leitura atenta do livro “Volta a Portugal em Bicicleta. Territórios, narrativas e identidades”, da autoria da socióloga Ana Santos.
A obra é o resultado da investigação realizada para o seu doutoramento em Sociologia. Para captar o evento em toda a sua complexidade e múltiplas perspectivas, a autora valorizou o método etnográfico na recolha de informação e fez parte da comitiva da Volta ao longo das edições de 2005, 2006 e 2007. Até porque, como refere, as fontes existentes não eram extensas, distinguindo a Volta do Tour. Concretamente sobre a Volta a Portugal, a informação estava dispersas por um conjunto de fontes ligadas à reportagem jornalística e a biografias de antigos ciclistas.
Ana Santos pretendeu dar conta do espectáculo desportivo que a Volta é, interpelando o território que percorre e enaltecendo as suas potencialidades turísticas, mas também revelando potencialidades turísticas, assimetrias, conflitos e realidades. O livro relata a sua experiência de trabalho de campo ao cobrir a Volta, mas vai mais além, ao falar do ritual e da energia emocional que o evento encerra.
Comparativamente a outras corridas de bicicletas, “a Volta caracteriza-se pela extensa comitiva que a acompanha, da qual fazem parte pessoas que estão associadas aos ‘reality shows’ e às capas das revistas cor-de-rosa. A reivindicação, por parte daqueles que se consideram pertencentes ao ‘mundo do ciclismo’, de que essas pessoas são exteriores ao ciclismo é um indicador que permite estabelecer a diferença entre a cultura do evento e a cultura do ciclismo. É esta marcação de fronteiras entre o que é exterior e interior ao ciclismo que ajuda à sua definição”, sintetiza a socióloga.
Além da etnografia do evento, a autora analisou as histórias de vida de ciclistas, técnicos, organizadores, jornalistas e acompanhantes da Volta. “É através da análise dos seus percursos biográficos, estratégias, oportunidades, aspirações e constrangimentos, que se pretende entender a mudança social inerente a 80 anos de história da Volta a Portugal em Bicicleta”, afirma Ana Santos.
Esta análise, ao permitir enquadrar o acontecimento desportivo na história do ciclismo em Portugal, traz à Volta uma dimensão que ela até agora não tinha, considera Eduardo Marçal Grilo no prefácio, em que destaca ainda o “magnífico acervo documental que caracteriza de forma particularmente feliz a evolução que a Volta sofreu desde que foi para a estrada pela primeira vez, em 1927”.
“A Volta, com todas as suas vicissitudes e especialidades, é para muitos portugueses o único grande acontecimento desportivo nacional que lhes passa à porta de casa e constitui um fenómeno de massas, que leva às estradas portuguesas milhares e milhares de entusiasta do ciclismo”, lembra Marçal Grilo.
O livro está dividido em três grandes partes: “Espectáculo mediático e produção de emoções”, “Territórios e identidades” e “Corpo e tecnologia”.
Se a primeira parte desenvolve o espectáculo da Volta, da visibilidade mediática à competição entre jornais e à valorização económica, já a segunda traça um percurso pela história do evento e pelos lugares da Volta. Por fim, a terceira e última parte do livro lembra o papel do homem e da máquina, dos rituais do treino e das massagens ao valor da alimentação. E recorda as performances de alguns grandes ciclistas portugueses – como Joaquim Agostinho, Alves Barbosa ou Marco Chagas.
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Ana Santos
Volta a Portugal em Bicicleta. Territórios, narrativas e identidades
Editora Mundos Sociais/ISCTE, 11€