A. M. Pires Cabral: “Tenho sempre à mão o frasquinho da ironia e do humor”

1- O que representa, no contexto da sua obra, o livro «Feliciano»?
R-Representa o ponto mais alto de divertimento. Refiro-me à obra de ficção, naturalmente; a poesia exige um pouco mais de contenção. Vários dos meus romances e sobretudo livros de contos são, ao menos parcialmente, divertidos. Ao escrever tenho sempre à mão o frasquinho da ironia e do humor, porque a vida sem eles é uma chatice. Mas creio que nunca os usei tanto como neste romance. Já partia para cada sessão de escrita predisposto a rir-me e fazer rir o leitor. E algum feed-back tenho de que alguns leitores se têm rido bastante.

2- Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R-Este livro é o tipo acabado de livro que se vai escrevendo a si próprio. Não parti para ele com qualquer plano ou esboço pré-definido, como até aqui tenho feito. Parti in alvis. Mas admito que tem de haver na génese dum romance pelo menos uma ideia inicial, que no caso será talvez esta: sempre achei piada à falta de correspondência entre o nome e a vida de algumas pessoas. Costumo referir o caso de uma senhora que conheci em criança, que se chamava Infância (nome que só se dava em Trás-os-Montes) e tinha quase noventa anos. E que tal uma Maria dos Prazeres toda a vida atassalhada de dores, ou uma Maria das Dores navegando permanentemente em mar de delícias? Terá sido essa a ideia original: explorar uma incongruência desse tipo. Feliciano Boaventura foi a mais infeliz e azarenta das criaturas, apesar do nome promissor de bem-aventuranças. Daí para a frente foi só inventar-lhe desgraças — o que, confesso, me dava um gozo imenso. Vendo bem, o livro acaba por ser uma demonstração prática do célebre What’s in a name? shakespeareano.

3- Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R-Ia responder ‘nada’. Na verdade, depois de acabar um livro, apetece ficar uns tempos de pousio, como as terras de semeadura. De algum modo, um escritor esgota-se em cada livro, e precisa de uns tempos de descanso. Mas verdade é que não estou inteiramente de pousio: deve sair em Setembro um livro de poemas. Pois bem: embora o livro esteja já perto da forma final, não há praticamente dia nenhum em que não lhe pegue para arredondar um verso, mondar alguma coisa que está a mais, etc. É isso que estou a fazer neste momento: burilar o próximo livro.
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A. M. Pires Cabral
Feliciano
Tinta-da-China  16,90€

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