Daniel Jonas: “Tudo é triste mesmo o que é feliz”

CRÓNICA
| Rui Miguel Rocha

Começa com cães e acaba com chuva.
No início Cailean, o pequeno cão: a amizade perdida quando “o nome do bourbon é orvalho” e no mesmo tom “o seu nome será desossado na sua boca.” Depois o reatar, a vida calma “uma moldura ficaria bem aqui/nesta relação finalmente estabilizada.”
Viagens, mitos gregos actualizados, a tristeza que está em tudo, viver o presente porque “não desejo notícias de amanhã.” Sabe-se que “coisas boas acontecem mas não em definitivo”, como a própria vida em que “tudo o que eu sei é uma palavra que ignore.”
A imobilidade a que estamos sujeitos, a falta de originalidade do real, o tédio do quotidiano “usa os meus pés sobre o pó dos caminhos que eu queria.”
Outra vez a tristeza “tudo é triste mesmo o que é feliz./Todas as coisas evocam um fracasso de outra coisa./Tudo o que há é como se não houvesse”. Mas ainda a esperança “há coração no riso das crianças.” E ainda os cães pequenos “somos deixados a sós com a grande vida”, sem sabermos “como dançar com gigantes.” E a tristeza outra vez “às vezes é tudo triste, mesmo o que não é.” Por isso “é preciso beber pela alma.” A melancolia da alegria “o que foi feliz foi-o sob alguma sombra”, outra vez os mitos transferidos “a sereia da ambulância passa e corta a avenida/e leva o Ulisses dos tristes e do possível.”
A definição de poema que “é coser o cílio ao sobrolho”, “é/o fim depois do fim/após a morte, antes da terra.”
E continuamos na terra da infância “quando criança tinha dedos e eram rápidos!”
Agora Madain, o lugar da rocha, um cão sentado? O sítio dos primeiros cães: “Pássaro pousado/em arame farpado”, “Pollock no tanatório”, o lugar onde espremer “nuvens de vinho”.
Depois Caleb – também cachorro,  lugar onde se salva: “se o banhista se fizer ao grande mar ameaçador/por um só corpo que seja,/o mar pode tragá-lo/mas este homem é melhor que uma criança.”
Das crianças para as mães que “são mais difíceis no outono”, mesmo para os artistas “Alguns tem de se avir/com não terem/mármore de Carrara/para as suas pietàs”.
Agora Sirius, a estrela mais brilhante do céu, a Canis Majoris, para dizermos “adeus às coisas formidáveis” e tentarmos “viver mais do que a vida”.
E, antes de terminar, dizer que “a dado momento começou uma vida mental./Em mente sem lar/é-se feliz em qualquer lugar.”
Daniel Jonas, poeta do Porto.
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Daniel Jonas
Cães de Chuva
Assírio e Alvim

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