25 de Abril: “Muitas das memórias foram silenciadas no discurso dominante”

1-Qual a ideia que esteve na origem deste livro “25 de Abril. Revolução e Mudança em 50 Anos de Memória”?
R-Miguel Cardina (MC) – O livro nasceu de um repto feito pelo Manuel Loff, há cerca de dois anos, para que juntássemos um conjunto de colegas com trabalho em diferentes áreas relacionadas com a memória do 25 de Abril e procurássemos fazer algo inédito: uma espécie de história da memória do 25 de Abril a partir de vários ângulos de análise. Sabíamos que a comemoração dos 50 anos ia assistir a uma profusão de obras e de narrativas sobre o período e entendemos que era necessário pontuar isso com um contributo que, a partir de agendas de investigação já consolidadas, trouxesse um olhar de conjunto sobre a forma como a memória pública da revolução tem evoluído.

2-Agora que passam 50 anos sobre o 25 de Abril, que memória estes ensaios registam ou revelam?
R-Manuel Loff (ML) – Antes de mais, recuperam-se memórias que, como escreve Paula Godinho a propósito da memória da Reforma Agrária, “foram esconjuradas pela memória pública”. O que aconteceu ao longo destas décadas com a memória da Reforma Agrária, aconteceu também com as memórias das lutas operárias e pelo direito à cidade, de que nos fala Joana Craveiro, e aconteceu em grande medida, também, com a memória da participação das mulheres na construção revolucionária da democracia que fala Ana Sofia Ferreira. Para com elas, contudo, a Revolução não cumpriu uma grande parte da agenda igualitária que a havia motivado desde o início. Muitas das memórias dos fenómenos, dos movimentos, que fizeram com que a democratização fosse efetivamente uma revolução, foram silenciadas no discurso dominante que se instalou no pós-Revolução, remetidas para um canto da história como se delas se lembrasse apenas uma comunidade política e socialmente menosprezável, e invisibilizados os grupos sociais e geracionais que as partilharam, e que ainda hoje partilham. Uma boa parte da explicação deste fenómeno decorre do avanço gradual das memórias reacionárias da Revolução que, desde 1975, se consolidaram em grande parte da sociedade portuguesa, e que hoje, como também se discute neste livro, estão em plena transformação, a propósito, por exemplo, da insistência em contrapor o 25 de Novembro ao 25 de Abril.

3-Corremos o risco de perder a memória desta data e de tudo o que ela significou para o povo português? O que podemos fazer para a preservar?
R-MC – Não creio que o risco esteja em perder a memória do 25 de Abril. Mas certamente que existe o risco de termos uma visão descafeinada da revolução que a conecta, de maneira algo vazia e a-histórica com a democracia, sem perceber que essa democracia portuguesa é filha de um processo revolucionário e de um conjunto de conquistas que – ontem e hoje – estão longe de ser consensuais. O livro conta também a história desses conflitos pelo sentido do 25 de Abril ao longo das últimas décadas.
ML – Toda a memória está potencialmente em risco de se perder. Mas a memória coletiva, partilhada que é por grandes grupos e partilhável que é por novas gerações que se sentem representadas nela, não sofre dos mesmos riscos que a memória individual. A memória da Revolução foi-se transformando, desde muito cedo, num repertório de símbolos e de lições políticas que serviram, desde 1974, muitos movimentos sociais, muitos processos de contestação e de emancipação. É a sua renovada utilidade que lhe tem assegurado a preservação. As comemorações, os debates e as manifestações que ocuparam as ruas deste país neste ano do 50º aniversário são boa prova de que a memória da Revolução continua viva, muito mais do que esperariam aqueles que fazem há já muitos anos o discurso da inutilidade política e da irrelevância social da comemoração de um processo de mudança que, como todos, não foi – porque não podia ser – consensual.
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Manuel Loff/Miguel Cardina (Org.)
25 de Abril. Revolução e Mudança em 50 Anos de Memória
Tinta-da-China  19,90€

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