Margarida Santos Lopes | Novo Dicionário do Islão

1- Como surgiu a ideia deste «Novo Dicionário do Islão»?

R- Surgiu de um amável convite da Oficina do Livro para reeditar a primeira edição, que era muito mais modesta e, infelizmente, tinha muitas lacunas e falhas. O primeiro Dicionário surgiu em 2002, um ano depois dos atentados terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos. Na altura, sabia-se muito pouco sobre a al-Qaeda, por exemplo, e a ideia que se tinha do Islão, dos seus crentes e combatentes, era confusa e incipiente. Hoje, há muito mais e melhor informação, não só de investigadores (como John Esposito e Oliver Roy) e jornalistas (como Lawrence Wright, Peter Bergen ou Steve Coll), mas também de respeitados teólogos, académicos e activistas muçulmanos, homens e mulheres, que tomaram a seu cargo a missão de descodificar a sua religião, realçando o que ela tem de positivo e tentando adaptá-la aos tempos modernos, ao mesmo tempo que denunciam os que a interpretam de forma retrógrada e a usam para oprimir e matar invocando o nome de Deus. Eu procuro com este Novo Dicionário partilhar o que aprendi desde então com quem mais sabe – eu não sou muçulmana, apenas uma jornalista que tenta perceber o “Outro”. O vocabulário do Islão não contém apenas termos como “jihad” (guerra santa) mas também outros, como “ihsan”, que tem o significado de “fazer o que é belo”. Os protagonistas do Islão não são apenas Osama Bin Laden e os seus discípulos, nem o fanático messiânico e negacionista do Holocausto Mahmoud Ahmadinejad, mas Amina Wadud, uma feminista empenhada em fazer a exegese do Corão, ou Abdolkarim Sorush, defensor da separação entre religião e Estado.

2- De forma resumida, qual a principal ideia que espera conseguir transmitir aos seus leitores?
R- É difícil resumir. A ideia que eu gostaria de passar aos leitores, agora que a “islamofobia” está em ascensão, com a proibição de minaretes na Suíça e protestos contra a construção de um centro islâmico em Nova Iorque, é a que Nicholas D. Kristof, colunista do jornal The New York Times, expressou no seu artigo Message to Muslims: I’m Sorry: “Equiparar os muçulmanos a terroristas deve embaraçar-nos. (…) Muitos americanos [e não só] acreditam que Osama bin Laden representa os muçulmanos, e muitos afegãos acreditam que o reverendo Terry Jones (que queria queimar exemplares do Corão) representa os cristãos. Muitos americanos acreditam honestamente que os muçulmanos têm um carácter violento, mas os seres humanos são demasiado complicados e diversos para serem restringidos a grupos sobre os quais chegamos a conclusões odiosas. Sabemos que os negros, os judeus e outros grupos sofreram discriminações históricas, mas continua a ser O.K. fazer declarações generalizadas sobre “muçulmanos” como se fossem uma massa indiferenciada. Nas minhas viagens, vi o pior do Islão: mullahs teocráticos oprimindo o povo do Irão; raparigas retiradas das escola à força no Afeganistão, em nome da religião; meninas sujeitas a mutilação genital feminina em África, em nome do Islão; senhores da guerra no Iémen e no Sudão ameaçando com AK-47s dizendo que assim seguem a vontade de Deus. Mas também vi o contrário: activistas muçulmanos no Afeganistão a arriscarem as suas vidas para educarem meninas; um imã paquistanês que dá abrigo a vítimas de violação; líderes muçulmanos que fazem campanha contra a mutilação genital feminina, realçando que não se trata, na realidade, de uma prática islâmica; muçulmanos paquistaneses que se mobilizam em defesa de cristãos e hindus oprimidos; e, acima de tudo, os inumeráveis membros de equipas de auxílio muçulmanos no Congo, no Darfur, no Bangladesh e em tantas outras partes do mundo que, inspirados pelo Corão, arriscam as suas vidas para ajudar os outros. Esses muçulmanos (…) são símbolos de compaixão de pacifismo e de altruísmo que todos deveríamos imitar. Fico doente quando vejo estas almas gentis serem confundidas com a al-Qaeda, e quando ouço que a fé que eles sacralizaram é atacada e insultada.”

3-Como responde à pertinente pergunta que aparece na capa do seu livro: por que é que o Islão atrai e amedronta?
R- Há cada vez mais convertidos ao Islão (não confundir com Islamismo, ideologia e não religião) – uns, como o judeu Leopold Weiss, que adoptou a fé de Maomé por a considerar “uma obra perfeita de arquitectura – todas as suas partes harmoniosamente concebidas para se complementarem e apoiarem uma à outra; [onde] nada é supérfluo e nada lhe falta; e o resultado é uma estrutura de equilíbrio e constituição sólida”; outros porque se sentem desenraizados em sociedades que não os integram e facilmente se deixam cativar por grupos fundamentalistas que lhes prometem o paraíso. São estes radicais que usam a Internet da era moderna para propagarem as suas mensagens de morte mas querem continuar a viver no século VII que nos amedrontam. É preciso distinguir entre a maioria – que está a deixar de ser silenciosa – de muçulmanos que advogam a coexistência e a minoria ruidosa dos que insistem em provocar, não um choque de civilizações (porque os muçulmanos são parte da Europa e da América e não apenas do Médio Oriente) mas de culturas. O que de mal tem sido atribuído ao Islão tem a mais a ver com tradições sociais e tribais do que com a própria fé – até porque esta religião, sem clero, não é monolítica.
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Margarida Santos Lopes
(Prefácio de Jorge Sampaio)
Novo Dicionário do Islão
Casa das Letras, 19,90€